Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 30, 2005

Villas-Bôas Corrêa Do alto o governo não vê




Jornal do Brasil


Vá lá que seja preciso calcar um pouco a mão, mas a sofreguidão com que o presidente Lula mobiliza parte do seu obeso elenco ministerial para executar a improvisada operação tapa-buracos na rede rodoviária largada ao abandono nos três anos dos quatro do seu mandato, parece trupe de mambembe empurrada para o palco do Teatro Municipal para completar vagas de tenores, barítonos e baixos na solene récita noturna de ópera famosa.
Francamente, não convence, apesar da impaciência e do empenho do presidente em cobrir com piche e areia a buraqueira que inferniza a vida de milhões de motoristas e passageiros de ônibus, caminhões, lotações, automóveis, motocicletas e até de carroças e charretes puxadas por parelhas de burros.

O pedido de desculpas, balbuciado em poucas palavras das dezenas de improvisos de badalação da boa nova, soa tão em falso como o dó de peito do manipulador de bonecos no teatrinho de fantoche.

Talvez fosse prudente conter a afobação e encaixar na agenda rotineira o decreto que declara o estado de emergência das rodovias estaduais federalizadas e a medida provisória para a destinação de recursos economizados em anos de usura e paralisia administrativa.

O diabo é que o presidente não cumpre agenda nem se aprisiona à rotina: viaja, discursa, critica e xinga a oposição, recita o auto-elogio e repete que não decidiu se será ou não candidato à reeleição (número que arranca aplausos das platéias e alguns risos contidos dos maliciosos) e, no arremate, a peroração exige o tom grave das sumárias comparações do ''muito que foi feito pelo maior governo que este país teve em todos os tempos'' e do muito que será feito no ano derradeiro, depois da casa arrumada, das finanças em ordem e de oito milhões de famílias empanturradas pelas Bolsas-Família do ''maior programa de distribuição de renda do mundo''.

Os que sofreram calados ou xingando os três anos de solavancos, atoleiros, pontes destruídas e buracos que desengonçam carrocerias, estouram pneus, quebram a suspensão, inutilizam amortecedores, duplicam, triplicam, multiplicam o tempo das viagens de lazer ou de trabalho, botaram a boca no trombone, foram ouvidos por governadores, prefeitos, pelos deputados federais e estaduais nos lazeres de fim de semana e que se deram conta do rombo que os prejuízos incalculáveis em horas perdidas, carga deteriorada, material estragado ameaçam abrir nas urnas eletrônicas do ano novo que arranha a porta e mostra os dentes.

Estremunhado com o despertar barulhento, Lula foi à luta. E no azáfama da precipitação, caiu no ritmo do JK da sua mais recente mania de leitor de biografias históricas, para descontar o atraso de três anos em seis meses de campanha.

Escancarou os cofres abarrotados de verbas que o paquiderme do maior ministério de todos os tempos não gastou porque não fez nada. A operação de emergência em estradas federais estadualizadas será detonada nos primeiros dias de janeiro, no corre-corre do tapa-buracos, ao custo estimado entre R$ 150 milhões a R$ 200 milhões, em cerca de dez mil quilômetros de rodovias literalmente intransitáveis. Para ser concluída em três meses, por coincidência no mágico março da declaração oficial, com pompa e fanfarras, que é candidato à reeleição. Surpresa servida em dose dupla. O resto ficará para o segundo mandato.

A marcação advertiu o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, a dar alguns passos até a boca do palco e entoar a sua curta ária: ''O presidente está muito preocupado com a situação de algumas rodovias, especialmente com as notícias de estradas esburacadas.'' Brilhante, pela novidade do anúncio da buraqueira e da preocupação que ronda a insônia presidencial.

O espírito natalino que adoça a alma e a renovação da esperança no ano novo espanta as decepções acumuladas em cavalar dose tripla, instiga a busca de uma explicação, da justificativa que atenue as críticas e o azedume das cobranças do balaio das promessas esquecidas.

Sem apostar um real ou a fortuna do salário mínimo anunciado para o próximo reajuste obrigatório, arrisco um palpite. Sou do tempo em que presidentes, governadores, prefeitos, ministros, secretários e demais autoridades viajavam de automóvel e até em ônibus especiais nas constantes visitas ao interior.

De algumas décadas para cá é mais fácil encontrar uma moita de mata atlântica do que um figurão desembarcando da condução que maltrata a população.

Autoridades, como os milionários, viajam de avião para longas distâncias e de helicópteros para as inaugurações, visitas às obras, ou a rápida presença em solenidades na caça ao voto. Ora, no macio da poltrona, copo de uísque com gelo na mão, ninguém se lembra de olhar para baixo

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