Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 24, 2005

VEJA Eduardo Giannetti da Fonseca O fim do ciclo das ilusões


"Com o apagão político do governo Lula, cai
por terra a crença de que a solução efetiva
dos enormes desafios do país depende
apenas de vontade política ou do
voluntarismo dos 'justos e bons'"

Paixões partidárias à parte, é possível discernir uma lógica na trajetória da política brasileira desde o fim do regime militar. Dois pontos merecem destaque. O primeiro é o fato de que o grande teste de qualquer democracia, que é a alternância de poder, foi cumprido de maneira exemplar com a vitória nas urnas e a posse do governo Lula. A campanha de 2002 e a transição política transcorreram dentro da mais perfeita e serena normalidade. Isso permitiu refutar em definitivo não só o temor de que uma vitória do PT levaria o país ao caos como também a crença de que nossa democracia seria apenas de fachada, ou seja, um jogo de cartas marcadas no qual uma genuína alternância de poder jamais teria lugar.

O segundo ponto é que as revelações e o descrédito que atingiram o governo Lula em 2005 fecham um ciclo na política brasileira. Três grandes forças de oposição foram gestadas durante a vigência do regime militar. O surpreendente é constatar que, ao longo de duas décadas de exercício democrático, cada uma delas recebeu do nosso eleitorado a oportunidade de governar o país e mostrar a que veio. A seqüência poderia ter saído da prancheta de um cientista político. Primeiro tivemos o PMDB de Sarney e Ulysses; depois o PSDB de Fernando Henrique e, por fim, o PT de Lula. A única peça que não se encaixa nesse enredo – o meteoro chamado Collor – foi rapidamente expelida da cena política. A novidade é que não resta mais nenhuma força política de peso que tenha sido forjada na oposição ao regime militar e que não tenha sido testada pelo eleitor brasileiro. Todas elas perderam as fantasias da virgindade e tiveram a sua chance.

Ilustração Atômica Studio


O balanço dessa experiência é um misto de conquistas e desapontamentos. Cada uma das três forças de oposição à ditadura mostrou seus méritos, mas também seus limites. O "apagão político" do governo Lula fecha um ciclo porque com ele estamos enterrando as últimas ilusões herdadas do período autoritário quanto à facilidade de resolver problemas estruturais da vida brasileira, como a desigualdade de oportunidades, o desemprego e o baixo crescimento. Com a falência das ilusões políticas do petismo, cai por terra a crença de que a solução efetiva desses enormes desafios depende apenas de "vontade política" ou do voluntarismo dos "justos e bons".

Embora doloroso, esse processo de amadurecimento pela via do desencanto poderá render bons frutos. Pois ele nos coloca diante da oportunidade concreta de alcançar um grau maior de realismo e objetividade no diagnóstico de nossos problemas e no debate eleitoral que se avizinha. Livre de fantasias, cacoetes e auto-enganos herdados da longa convivência com o autoritarismo – os regimes de força deformam não só a situação, mas também as crenças e ideologias daqueles que fazem oposição a eles –, a política brasileira está pronta para avançar no caminho da democracia.

A página da alternância de poder foi virada e as ilusões voluntaristas ruíram sob o peso da realidade. Se esse raciocínio estiver correto, é razoável esperar que o nosso sistema político passe agora por uma profunda reorganização e depuração de forças e lideranças – um processo que pode ser reforçado pela adoção de medidas saneadoras como a "cláusula de barreira" (diminuição do número de partidos no Congresso) e regras mais exigentes de fidelidade partidária. O erro fatal seria permitir que o desencanto com os políticos da hora vire descrença na política como forma de atuação. A democracia tem o dom de promover a correção de erros e desvios por meio da renovação periódica dos governantes. O grande desafio é saber tirar das ilusões perdidas não o veneno do desalento, mas o ânimo de novos e corajosos avanços.

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