Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, dezembro 27, 2005

Merval Pereira Símbolos e realidade

O GLOBO

No seu último programa de rádio de 2005, o presidente Lula deu o tom do que será a campanha eleitoral se ele, como tudo indica, confirmar que será mesmo candidato à reeleição. Tenho a impressão de que Lula, diante das pesquisas eleitorais que mostram o declínio consistente de sua popularidade, adoraria achar uma maneira de não disputar novamente a Presidência, guardando-se para, quem sabe, tentar voltar em 2010.

A única maneira seria, ao mesmo tempo que anunciasse a decisão de não disputar um segundo mandato, enviar um projeto para o Congresso extinguindo a reeleição, contra a qual sempre se colocou, e ampliando o mandato do próximo presidente para cinco anos.

Seria uma saída política em grande estilo, que preservaria sua imagem, mas não atenderia aos interesses do PT, seu partido, que não tem ninguém em condições de disputar a Presidência com chances pelo menos semelhantes à de Lula, mesmo decadente. "Eu não prometo, eu garanto ao povo brasileiro que nós vamos ter o Brasil se desenvolvendo muito mais em 2006, com um crescimento mais vigoroso e mais sólido, porque nós fizemos o que tínhamos que fazer em 2003, 2004 e 2005", disse o presidente na rádio ontem, com uma confiança que não se baseia nos números, mesmo nos oficiais.

A promessa do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, de que o crescimento do ano eleitoral será tão forte quanto o de 2004, quando o PIB do país cresceu 4,9%, vai contra a previsão do próprio Ipea, um instituto de pesquisas ligado ao Ministério do Planejamento, que prevê um crescimento de 3,5%. Sem dúvida que a chegada do ano eleitoral está influindo nas promessas de fim de ano, como a do ministro das Minas e Energia, Silas Rondeau, que garantiu em entrevista ao GLOBO que o preço da gasolina não subirá em 2006.

Ora, evidentemente não é possível dar esse tipo de garantia, mesmo que se conte com a auto-suficiência em petróleo prevista, a não ser que o preço da gasolina seja controlado politicamente pelo governo, em prejuízo dos critérios técnicos da Petrobras, isto é, dos acionistas da empresa, e da sua capacidade de continuar investindo para ser competitiva no mercado internacional.

Essa discussão, aliás, já aconteceu em 2002, só que com o sinal trocado: o então candidato do PSDB, José Serra, insistiu muito com o governo para que controlasse o preço da gasolina durante a campanha eleitoral, alegando que os preços internacionais do barril de petróleo não deveriam influir tão decisivamente nos preços internos, pois nossa produção cobria praticamente 80% do consumo interno.

Serra não foi atendido pela equipe econômica então comandada por Malan, que insistiu em manter a competitividade da Petrobras, e a valorização das ações da empresa, balizando os preços internos pelo mercado internacional. O mesmo critério vem sendo adotado pela atual direção da estatal, que já deu uma nota oficial onde reafirma a política de preços. Vamos ver se Palocci conseguirá resistir à pressão política.

O anúncio da auto-suficiência em petróleo está marcado para o início do próximo ano, com grande festa política, que faltou ao anúncio do pagamento antecipado de nossa dívida ao FMI, que será outro ponto de destaque na campanha da reeleição.

A não renovação do acordo com o FMI primeiro, e depois o pagamento, têm um valor simbólico mais relevante do que o econômico, pois os critérios do FMI continuam sendo adotados na nossa política econômica, e a dívida com o FMI é dos dinheiros mais baratos que um país pode receber. Mas um governo que se quer popular, ainda mais em crise de popularidade, vive mais de símbolos do que da realidade. O problema é quando o símbolo é abalroado pela realidade.

Quem cuidava da estratégia para transformar os símbolos em pontos positivos para o governo era o ex-ministro Luiz Gushiken, hoje confinado no Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE) tateando o futuro enquanto tenta se defender das acusações presentes nas CPIs. Antes de virem à tona as denúncias do mensalão, Gushiken dava como certo que não havia espaço para surpresas: para ele, a disputa política se daria entre PT e PSDB, "partidos que têm pontos em comum, mas não trabalham juntos porque ambos disputam o mesmo poder".

Uma das estratégias de imagem do governo Lula, revelada aqui na coluna tempos atrás pelo próprio Gushiken, era fazer o contraste de nossa política pacifista e desarmamentista com o mundo em permanente conflito. Por isso o governo dava tanta importância ao referendo sobre as armas, prevendo que a vitória do "Sim" provocaria um desarmamento em massa que chamaria a atenção do mundo inteiro. Como se sabe, ganhou o "Não", numa convergência de vários fatores, entre eles uma clara rejeição ao governo Lula.

Já registrei aqui na coluna que, assim como os historiadores, políticos costumam marcar as etapas de desenvolvimento de um país a cada 20 ou 25 anos, período que seria necessário à cristalização das mudanças. Não é por acaso, portanto, que de tempos em tempos aparecem grupos políticos fazendo planos de ficar no poder por 20 anos. Fora o grupo de Collor, que tinha essa pretensão por razões que nada tinham a ver com a política, tanto o PSDB quanto o PT assumiram informalmente essa meta.

Com a queda de Dirceu, e o desmantelamento da cúpula que dirigiu a campanha em 2002, Lula anda à procura de coordenadores, marqueteiros e alianças políticas para recolocar em pé o projeto inicial. Que tinha também um objetivo simbólico a ser atingido: o PT permanecer no poder até 2022, quando se comemorará os 200 anos da Independência do Brasil. Ao que tudo indica, este é um sonho que já foi abalroado pela realidade.

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