Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 31, 2005

Editorial da Folha de S Paulo

ABUSO DE PODER
Desde os atentados de 11 de Setembro de 2001, o presidente George W. Bush tem buscado meios de ampliar os poderes do Executivo. Sob a compreensível justificativa de intensificar o combate ao terrorismo, tem se cercado de assessores empenhados em fornecer versões e interpretações da lei para embasar seus excessos. O último deles, contudo, ultrapassou os limites de forma inédita. A Agência de Segurança Nacional (NSA) realizou escutas telefônicas e interceptou e-mails de milhões de cidadãos norte-americanos.
Desde 2002, em obediência a uma ordem secreta do presidente Bush, a NSA tem espionado sem autorização judicial. Para rastrear suspeitos no exterior, o governo não é obrigado por lei a recorrer a tribunais locais. Mas o mesmo não se aplica aos cidadãos norte-americanos.
Nesses casos, é preciso recorrer a um tribunal conhecido como Fisa (Foreign Intelligence Surveillance Act), criado em 1978 para coibir ingerências desse tipo. Exposto um bom motivo, a autorização é concedida.
São insondáveis as razões que levaram o presidente Bush a ignorar esse procedimento elementar numa nação que se orgulha de ser um baluarte da democracia. Até porque o Fisa raríssimas vezes contraria o governo: desde sua criação, concedeu 19 mil autorizações de investigação. E rejeitou apenas cinco.
A recusa em cumprir a formalidade sugere que a escala da espionagem, cujos números ainda não foram estimados com precisão, ultrapassa em muito as expectativas iniciais. Da mesma maneira, as evidências de que a operação contou com o auxílio de companhias de telecomunicação dos EUA pedem investigações imediatas por parte do Congresso.
É evidente a necessidade de criar mecanismos eficientes para regular a atividade de agências de inteligência -e isso também vale para outros países, entre os quais o Brasil. Com a difusão do telefone celular e da internet, que concentra volume crescente de informações pessoais dos usuários, a espionagem ganhou mais territórios onde se imiscuir. Sem uma legislação clara e eficaz para definir a atuação desses serviços, aumenta o risco de violação das liberdades civis.
Não resta dúvida de que a ameaça do terrorismo é real e justifica uma reorientação da política de segurança dos Estados Unidos e de outros países que se sentem ameaçados. Mas não se pode viver eternamente em estado de exceção. E muito menos fazê-lo à revelia do Congresso e dos tribunais competentes.
É um traço da geopolítica que superpotências protejam sua hegemonia por meio da força. Mas o governo Bush parece inverter o sinal e aplicar uma conduta impositiva e autoritária também dentro do país. Não é uma atitude simples de justificar em nome da democracia.

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