Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, dezembro 27, 2005

Distorções Celso Ming

ESTADÃO



ming@estado.com.br

Quinta-feira passada, o Conselho Monetário Nacional reduziu a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) de 9,75% para 9,0% ao ano e não deixou ninguém satisfeito.

Os empresários queriam um corte maior. O secretário do Tesouro, Joaquim Levy, está sempre disposto a defender até uma elevação. E o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, preferia mantê-los a 9,75% ao ano.

A TJLP são os juros cobrados nos financiamentos do BNDES que, em princípio, se destinam aos investimentos. Os recursos são dos trabalhadores – do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que funciona como seguro-desemprego.

Os empresários argumentam que juros de 9,0% ao ano são altos demais em comparação com os que os concorrentes ao redor do mundo pagam aos banco internacionais, entre 5% e 7% ao ano. É mais um item que eleva o custo Brasil.

Para o Ministério da Fazenda, para o secretário do Tesouro e para o Banco Central, os juros relativamente mais baixos cobrados nos empréstimos de longo prazo do BNDES provocam duas distorções. A primeira: tiram força da política monetária. E a segunda: obrigam o Tesouro Nacional a pagar juros que chegam a ser o dobro dos juros pagos pelos clientes do BNDES.

Vamos à primeira distorção. O volume total de crédito no Brasil em novembro alcançava R$ 590 bilhões. Desse total, 33% correspondiam ao crédito direcionado, ou seja, ao crédito previsto em lei. É o distribuído pelo BNDES para os investimentos e também o que vai para a atividade rural e para o financiamento habitacional. Os demais 66% são a fatia do crédito livre, que os bancos destinam a seus clientes, conforme sua política.

Os créditos direcionados têm juros fixados por lei ou por contrato, como é o caso da TJLP. Não são alcançados pela política de juros do Banco Central porque não seguem o curso da Selic (juro básico definido pelo Copom, hoje a 18% ao ano).

Ou seja, para enquadrar a inflação, a Selic tem de ser muito mais alta do que deveria, de modo a compensar os 33% de crédito não afetados por ela. Por isso os dirigentes do Banco Central batalham contra a baixa da TJLP. Querem menos distorção na política monetária e, claro, Selic mais baixa. Quando os empresários lutam pela derrubada dos juros, deveriam levar em conta que os créditos do BNDES agem na direção oposta.

Eles contra-argumentam: se é para defender a convergência dos juros, é a Selic que deveria baixar ao nível da TJLP, e não o contrário. Mas, nesse caso, seria preciso troca de âncora: abandonar o sistema de metas de inflação e adotar outro.

Sobre a segunda distorção não há muito o que dizer. Em todo o mundo, os juros mais baixos são os pagos pelo tesouro. Em princípio, não há, num país, tomador de empréstimos mais seguro do que o próprio tesouro, que não corre o risco de falir, embora possa ficar inadimplente, como a história demonstra. Assim, o tesouro pode pagar os juros mais baixos. No entanto, no Brasil, como se viu, cliente do BNDES, agricultor e tomador de financiamento habitacional pagam juros mais baixos do que o próprio Tesouro Nacional.

Essa distorção leva a uma terceira, que não tem a ver com o crédito, mas com a cobertura do rombo do governo. Qualquer governo que se endivida lança títulos para financiar seu déficit. Os juros previstos no contrato são previamente fixados. Pelas lambanças do passado, o mercado deixou de aceitar juros prefixados nos títulos brasileiros, porque entendeu que corria o risco de que a inflação ficasse mais alta do que os juros pagos.

Por isso, no tempo do Plano Cruzado (governo Sarney) foi criada a Letra Financeira do Tesouro (LFT), cujo rendimento é a Selic, o juro básico, que varia conforme o que define o Copom.

Só aqui no Brasil o tesouro público paga juros variáveis. Nada menos que 55% da dívida pública está em LFT. É por isso que, sempre que o Banco Central é obrigado a puxar os juros para cima, a dívida também aumenta: os juros mais altos têm de ser incorporados à dívida.

Se são distorções, elas teriam de ser eliminadas. Esta é uma tarefa urgente à espera de um governante com peito para fazê-la. Quem sabe a derrubada da inflação e a baixa dos juros facilitem essa tarefa.


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