Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 26, 2005

VEJA Como a turma de Ribeirão quase virou dona de banco

A casa, os amigos e o banco

A turma de Ribeirão Preto estava
tão à vontade no governo que quase
comprou um banco para alavancar
os negócios. Os escândalos
abortaram o esquema


Ronaldo França e Ronaldo Soares


Ana Araujo
aujo
MAIS UM AMIGO
A Casa dos Prazeres, em Brasília, alugada por 60 000 reais como "casa de negócios", e o empresário Roberto Colnaghi, que o Ministério Público acredita ser o "Beto" que aparece nas gravações feitas pela polícia de São Paulo e seria sócio do banco: sociedade com múltiplas finalidades

A casa na qual a turma de Ribeirão Preto instalou seu quartel-general em Brasília, após o início do governo Lula, tinha sauna, piscina e, como não poderia faltar, uma quadra de tênis, numa das vistas mais deslumbrantes da capital federal. Esse colosso, que entrou para o folclore brasiliense com o sugestivo apelido de Casa dos Prazeres, custava a Vladimir Poleto, ex-assessor do ministro Antonio Palocci na prefeitura de Ribeirão e responsável pelo contrato, 10.000 reais de aluguel mensal. O pagamento dos seis primeiros meses foi feito à vista. Embora já tenha sido citado diversas vezes na CPI dos Bingos, o aluguel do imóvel, bem como sua finalidade, ainda não foi devidamente esclarecido, nem por Poleto nem por ninguém. O que se sabe é que a casa foi palco de uma intensa troca de amabilidades entre os petistas, seus amigos e um grupo de profissionais comandadas por Jeany Mary Corner, empresária do ramo de entretenimento masculino. A casa vivia cheia. Ali se respirava aquele ar impregnado de prosperidade e confiança no futuro que costuma cercar em Brasília as pessoas que dizem ter – ou efetivamente têm – acesso ao poder.

Na casa, segundo diversos relatos de freqüentadores(as), foram articulados vários negócios e ocorreram muitas comemorações. Uma delas teve um motivo insólito – a compra de um banco, o Banco Equity de Investimentos, uma pequena instituição financeira do Rio de Janeiro que, em 2002, fora incorporada pelo Banco Prosper. A operação, que acabou não se concretizando, foi confirmada a VEJA, na semana passada, por Rogério Buratti, ex-secretário de Governo de Palocci na prefeitura de Ribeirão Preto (veja entrevista). O negócio era secreto, mas na Casa dos Prazeres era totalmente público. Até Mary Corner sabia. Ela contou, em entrevista gravada: "Eles disseram para as minhas 'recepcionistas' que haviam comprado um banco e que Vladimir Poleto estava indo para o Rio de Janeiro administrá-lo".

A negociação durou mais de um ano. Segundo Buratti, o comprador seria o Banco Regional do Keve, de origem angolana, que assessorado pela turma de Ribeirão Preto pretendia virar dono de uma instituição financeira no Brasil. Traduzindo: um grupo de funcionários públicos egressos de uma prefeitura petista do interior de São Paulo aliou-se ao dinheiro de Angola para comprar um banco de investimentos no Rio de Janeiro. Qual o capital dos interioranos? Ora, a influência e a proximidade que diziam ter com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ex-chefe de alguns deles. É o que fica claro no conjunto de diálogos interceptados pela Polícia de São Paulo com autorização judicial a que VEJA teve acesso. Mas para que serviria um banco? E por que um banco inexpressivo como o Equity, cujo patrimônio no ano passado era de apenas 14 milhões de reais? O motivo é que, por meio de uma instituição financeira, se pode operar em várias frentes, desde as negociações com títulos públicos em fundos de pensão até a intermediação de verbas de campanha. Com uma instituição pequena, pode-se fazer isso sem chamar muita atenção.

O negócio esteve a um milímetro de ser fechado e chegou a ser comemorado. A CPI dos Bingos vinha trabalhando, até aqui, com a hipótese de que o grupo de Ribeirão Preto estaria agindo como intermediário da venda do Equity a um banco regional de Angola, o Banco do Keve. Mas o objetivo, está claro agora, era tomar o controle do banco. Ralf Barquete, ex-secretário de Finanças de Ribeirão Preto, assumiria o cargo de diretor comercial do Prosper. Resta saber por que a operação foi desfeita na última hora. No mercado, acredita-se que o negócio foi inviabilizado pelo início da investigação pelo Ministério Público Estadual sobre as atividades dos ex-assessores na prefeitura de Ribeirão Preto. Mas também pode ser que simplesmente a proposta não tenha agradado ao Prosper. O presidente do banco, Edson Menezes, confirmou a VEJA por e-mail que as ações do Equity estiveram à venda, mas afirma que as propostas que recebeu não interessaram.

RIBEIRÃO EM AÇÃO
Na conversa registrada abaixo, Vladimir Poleto (à esquerda), o "W", e Rogério Buratti, o "R", falam da compra do Banco Equity (transcrito abaixo como "Ercot"), do grupo Peixoto de Castro. O "Totão" citado no diálogo é o presidente do grupo, Antonio Joaquim Peixoto de Castro Palhares. Ralf Barquete (à direita) deu início ao negócio pouco antes de adoecer

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Menezes nega, mas sabe-se que as tratativas com os petistas tiveram início em 2003 e se estenderam pelo menos até meados de 2004. O conjunto de conversas captadas nas escutas telefônicas da polícia paulista demonstra como os dois lados, tanto os petistas quanto os controladores do Equity, estiveram empenhados no assunto. Na maior parte dos diálogos, é Vladimir Poleto quem está à frente. Depois da morte de Ralf Barquete, em junho de 2004, Poleto passou a ser o homem de confiança no negócio, acompanhado de perto por Rogério Buratti. Em vários trechos, fica claro que o grupo saca da manga sua proximidade com o ministro Palocci para viabilizar seus negócios. Um exemplo é a conversa, ocorrida em agosto de 2004, em que Buratti explica a um interlocutor, provavelmente Poleto, a importância da marcação de uma audiência com o ministro para impressionar os representantes do Grupo Peixoto de Castro (GPC), que controla o Prosper (e portanto o Equity). O interlocutor explica a Buratti que, caso "um grande negócio" se concretize, a audiência com o ministro poderá ficar para depois. Das conversas também se depreende que o grupo já tinha em mente os planos para o banco. O primeiro deles, fica claro, seria uma aproximação com a Previ, o caixa de previdência dos funcionários do Banco do Brasil, o maior fundo de pensão do país.

As gravações também demonstram que o assunto da venda do banco foi tratado de perto pela cúpula do Grupo Peixoto de Castro. Em outro diálogo, Poleto diz a Buratti que precisa encontrá-lo e demonstra ter urgência. O assunto seria "uma orientação com o 'Totão'". Trata-se de Antonio Joaquim Peixoto de Castro Palhares, o presidente do grupo. Quando esse assunto veio à tona pela primeira vez, o GPC informou que não passava de um relacionamento informal, no qual apenas tentaram viabilizar algumas parcerias visando à abertura de novas frentes de negócios. Era muito mais do que isso. O empenho do Prosper pode ser explicado pela situação que a instituição financeira vivia naquele momento. O banco passou por um período difícil a partir de 2002. Uma série de negócios malfeitos com títulos públicos resultou em um prejuízo de mais de 40 milhões de reais, que havia consumido quase todo o patrimônio da instituição. Esse tropeço deixou o banco em situação delicada. A venda de uma parte dos ativos era, portanto, uma solução. Nesse contexto, caiu como luva a aproximação com o grupo de Ribeirão Preto, então ávido por fazer negócios privados a bordo de sua suposta influência no principal ministério do governo petista.

O grupo de Ribeirão foi apresentado ao Prosper pelo empresário curitibano, radicado no Rio de Janeiro, Carlos Eduardo Valente. Trata-se de um empresário que se aproximou dos petistas durante a segunda gestão de Palocci em Ribeirão Preto. O primeiro contato de Valente na cidade foi com Poleto, que afirmou em depoimento à CPI dos Bingos ter conhecido o empresário durante um seminário, do BNDES, com representantes de várias prefeituras. Uma vez entronizado o PT no governo, Barquete e Poleto viram em Valente um canal para abrir frentes de negócios com empresas privadas. Valente é dono de seis empresas, entre elas uma factoring (que empresta dinheiro de terceiros) e uma construtora, mas não foi como empresário que se notabilizou. Seu feito mais expressivo foi o bicampeonato mundial de bacará em Las Vegas e Atlantic City, locais onde desfruta status e é temido nas mesas de carteado. Para os petistas, seu maior trunfo, no entanto, era ser amigo de Totão, com quem costuma jogar cartas. Foi a bordo dessa relação que Ralf e Poleto desembarcaram no Rio de Janeiro para entrar na aventura de comprar um banco.

Leo Pinheiro/Ag. O Globo
MUITAS PROMESSAS
Edson Menezes, conhecido como "Gigante", presidente do Prosper: a turma de Ribeirão prometeu intermediar contatos com prefeituras para convênios de crédito consignado em folha


A possibilidade de uma aproximação com o ministro era uma espécie de moeda de troca da dupla para facilitar seus negócios. Foram eles os primeiros a bater às portas do Prosper, apresentados por Valente. A proposta inicial, na versão dada pelo banco, era prospectar contratos com prefeituras para convênios de crédito consignado com pagamento em folha. "Mas eles nunca me trouxeram um negócio sequer", afirmou a VEJA o presidente do Prosper, Edson Menezes, também conhecido no mercado financeiro pelo apelido de Gigante, que faz jus a seu 1,96 metro de altura e porte de remador (é ex). Gigante foi recebido por Palocci em outubro de 2004 em Brasília. As gravações telefônicas demonstram que era grande o empenho da turma em arrumar o encontro. Mas Gigante nega que tenha sido por influência de Poleto e Buratti.

Se concretizada, a compra do Equity teria, aparentemente, beneficiado apenas os interesses privados da turma de Ribeirão. Não se está, portanto, diante de um escândalo que envolva diretamente o PT ou o governo Lula. Mas trata-se de um negócio que só andou porque o grupo usava o nome, a agenda e o prestígio do ministro Antonio Palocci. Por isso chama atenção a falta de ação do ministro contra o grupo. Nas gravações feitas pela polícia de São Paulo, algumas vezes eles se referem ao "chefe". É uma irresponsabilidade concluir que o chefe é quem estamos pensando.

 

Conexão Angola


Fábio Portela

O advogado Rogério Buratti, um dos ex-assessores do ministro Palocci, contou em entrevista a VEJA como surgiu a idéia de comprar um banco e como a transação seria feita.


Antonio Cruz/ABR
A PEÇA QUE FALTAVA
Rogério Buratti, ex-secretário de Governo em Ribeirão Preto: ele confirma a tentativa de comprar o Banco Equity pelo grupo de amigos e ex-assessores do ministro Palocci. O dinheiro viria de um banco de Angola

Como Barquete e Poleto conheceram o Banco Prosper?
Quem apresentou o Banco Prosper foi o Carlos Eduardo Valente, um empresário do Rio de Janeiro que operava no mercado de capitais e tinha uma construtora. Havia se aproximado do Ralf e do Vladimir em 2001, quando procurava possibilidades de negócios em Ribeirão Preto. O Valente tinha relação com o Grupo Peixoto de Castro, proprietário do Prosper. Ele sugeriu que Ralf poderia ser consultor do Prosper, pois tinha relacionamentos e alavancaria o banco.

Alavancar?
Alavancar no sentido de obter maiores aplicações de fundos de pensão ou de bancos oficiais. O interesse era alavancar o banco com o dinheiro dos fundos de pensão. Os contatos do Ralf seriam uma porta aberta. Ele era uma pessoa bem relacionada no mercado financeiro e no governo. Era amigo do Palocci. Estava no governo federal por indicação dele. Quando as pessoas procuravam o Ralf, sabiam que, eventualmente, poderiam estar conversando com o ministro.

Vladimir Poleto também foi trabalhar no Prosper?
O Ralf montou um projeto de consultoria no Prosper. O banco daria salários e alguns recursos materiais, como apartamentos, carros, passagens aéreas, para que se pudesse desenvolver esse trabalho. Eles aceitaram pagar um consultor sênior, que era o Ralf, e um assistente. Aí o Ralf convidou o Vladimir, porque já haviam trabalhado juntos em Ribeirão e continuavam próximos em Brasília.

Como surgiu a idéia de comprar um banco?
A idéia surgiu em setembro de 2003 e partiu do empresário Beto Colnaghi. Ele descobriu que alguns empresários angolanos queriam comprar um banco aqui no Brasil. O Beto levou essa proposta ao Valente e ao Ralf. O Equity, que pertence ao Prosper, era um banco que estaria em condições favoráveis para esse negócio. O Banco Regional do Keve, de origem angolana, seria o comprador oficial.

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