Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 26, 2005

VEJA André Petry Soltando os presos

Está certo o juiz da cidade de Contagem que, diante das condições degradantes em que os presos sobreviviam nas delegacias da cidade, começou a libertá-los? Primeiro, o juiz mandou soltar um punhado de presos, todos devidamente condenados. Foi um espanto. Três dias depois, ele mandou soltar mais uma leva de condenados, formada por homicidas e assaltantes, todos condenados e todos vivendo em condições igualmente subumanas em distritos policiais. Foi outro espanto. O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, acusou o juiz de querer se promover. O Tribunal de Justiça evitou que as libertações se concretizassem. E o juiz, por fim, está temporariamente afastado do cargo.

Mas ele está certo?

Desde o século XVIII a sociedade tomou consciência plena de que um prisioneiro, qualquer prisioneiro, não pode ser submetido a condições desumanas, degradantes. Um preso, qualquer preso, não pode ser torturado, humilhado, animalizado. Um ser humano não pode ser tratado como um porco, um bicho. É um traço civilizatório da sociedade saber como punir seus criminosos. Ninguém tem dúvida de que as prisões e as delegacias brasileiras são depósito de lixo humano e violam consistentemente os princípios mais rudimentares do que se pode entender como civilizado. No caso do xadrez em que se encontravam os presos libertados pelo juiz de Contagem, comprovou-se que a situação era um escândalo – havia gente com sarna, gente com tuberculose, gente com feridas à flor da pele, todos se engalfinhando numa cela superlotada.

Então, o juiz acertou ao libertá-los?

A imagem de dezenas, centenas de presos, uns sobre os outros, agitando as mãos pelas grades de celas superlotadas é uma constante na vida penitenciária do Brasil. Uma vergonha que não envergonha. As prisões são infernais, e não há exceção entre as regiões mais pobres e as mais ricas do país. É tudo mais ou menos o mesmo escândalo, com variações sutis.

Agora mesmo, uma decisão judicial mandou interditar uma penitenciária em Caixas do Sul, no interior do Rio Grande do Sul. Cabiam nela 300 presos, mas havia 750. Pouco antes disso, num fim de semana levemente mais agitado que o habitual, três penitenciárias do interior de São Paulo enfrentaram motins violentos devido à superlotação – que é o início da degradação. Numa delas, havia 1.050 presos onde cabiam 800. Noutra, eram 1 150 para 800. Na terceira, 1.000 presos ocupavam o espaço de 760.

Diante desse quadro, o juiz de Contagem está certo?

Os tubarões do dinheiro público, os criminosos do colarinho branco, são os que mais se interessam em manter as prisões como depósito de lixo humano. É a eles – e não a nós – que realmente interessa que condenado brasileiro seja tratado feito gado e que as prisões sejam pocilgas intoleráveis. É que, sendo assim, sendo tudo tão degradado, a sociedade duvida de sua própria legitimidade de mandar os tubarões para a cadeia – e a cadeia segue sendo lugar praticamente exclusivo dos pretos e pobres.

E, então, o juiz está certo?

Claro que não está certo. Mas que sua briga é boa, é.

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