Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 27, 2005

MIRIAM LEITÃO A balança

O GLOBO

O Supremo Tribunal Federal é soberano e suas decisões têm que ser cumpridas. Isso não significa que seus integrantes sejam deuses infalíveis. Se o debate em torno do que é o "devido processo legal" no julgamento do deputado José Dirceu não fosse controverso, o Supremo não estaria dividido ao meio. Mas, nesta hora de conflito entre poderes, toda ponderação é pouca.

É preciso esfriar a cabeça e acalmar os ânimos porque nada de bom resulta para a democracia quando dois poderes da República entram em confronto. Um fato que espanta neste caso é o de o ministro Nelson Jobim estar freqüentando listas de candidatáveis na próxima eleição presidencial. Isso é fonte de ruído. Ministros do Supremo não podem ter um pé na política; do contrário, sempre alimentarão os temores de que decidam politicamente. Voto de Minerva para empatar realmente é algo inesperado, mas não é nada irregular. Só que o ministro Jobim deveria arquivar suas pretensões políticas — se as tem — como deveria ter se desfiliado de partido político quando foi indicado para o Supremo. Precaução que teria prevenido o ruído político de agora.

Na Câmara, há uma contradição também insustentável. Testemunhas de defesa não presidem julgamentos. E o presidente da Câmara, Aldo Rebelo, é testemunha de defesa de José Dirceu, portanto tem que se declarar impedido quando, e se, o mandato de José Dirceu for julgado no plenário. Se ele não se declarar impedido, estará produzindo uma aberração.

O Supremo, em conjunto, ou em decisões separadas de seus ministros, tem produzido vários equívocos. Soltou Cacciola e ele fugiu para a Itália e nunca mais deu as caras; liberou o coronel Pantoja já condenado pela Justiça, sob o argumento de que havia ainda o recurso de recorrer ao próprio Supremo; soltou Maluf não com suporte jurídico, que poderia até haver, mas com argumentos emocionais: pai e filho na mesma cela comoveram o ministro. O Supremo deveria estar refletindo sobre escorregões como esses que podem erodir a confiança na instituição. Não se propõe que o julgamento seja feito para agradar à opinião pública. Juízes julgam pelas leis e não para a torcida, mas nesses três casos ficou difícil entender as razões jurídicas.

Ministros do Supremo devem saber como votam, olhando a Constituição e a interpretando na formulação do seu voto. Fica difícil entender um voto mutante como o do ministro Eros Grau. Ou bem ele sabia como votava, ou ele prefere seguir a maioria. Uma decisão alterada assim, em cena aberta, espanta e ajuda a alimentar a idéia de uma corte política. Essa impressão erode a confiança no tribunal.

Cerceamento do direito de defesa é intolerável e, portanto, se é isso que o STF acha que está acontecendo no Conselho de Ética, deve interferir o quanto for necessário. Se acha que não se respeitou o devido processo legal ao permitir que uma testemunha de acusação falasse depois das testemunhas de defesa, o Supremo deve corrigir o procedimento do Conselho. Mas deveria tomar todo o cuidado para não convalidar manobras protelatórias.

O senador Jefferson Peres fala em propor uma mudança na forma de escolha de ministros. O momento é ruim, a idéia pode fazer sentido. Não se pode no meio de uma crise como essa fazer mudanças institucionais de fundo. Nos Estados Unidos, escolhas do presidente passam pelo Senado. Recentemente se viu que o presidente Bush teve que recuar quando indicou uma amiga, sua advogada, para a Suprema Corte. A idéia do senador é que o presidente não escolha livremente, mas diante de uma lista sêxtupla. Listas indicadas pela categoria sempre podem vir com o vício do corporativismo e há o risco de serem escolhidos nomes não pelo saber jurídico, mas pelo sucesso na carreira de representação corporativa. Por outro lado, os últimos presidentes fizeram escolhas muito pessoais. O presidente José Sarney escolheu o procurador da República do seu período e o então secretário-geral da Consultoria-Geral da República; o presidente Collor escolheu um parente; o presidente Itamar Franco escolheu um amigo e ministro da Justiça; o presidente Fernando Henrique escolheu o advogado geral da União; o presidente Lula teve chance de várias escolhas, pelo menos uma foi pela antiga ligação do indicado com as causas partidárias. Vários, felizmente, demonstraram capacidade técnica. Não se discute pessoas, mas critérios. Que critérios de escolha para um cargo vitalício e vital, como o de ministro do Supremo Tribunal Federal, devem ser seguidos? Que método de escolha tira maior proveito dos pesos e contrapesos dos poderes de uma República?

O julgamento dos acusados pelo escândalo atual será decisivo para se saber se teremos o aperfeiçoamento das instituições ou um retrocesso desmoralizador. Portanto cada instituição deve ter noção dos riscos e chances do momento. Esta semana, a reportagem do GLOBO encontrou o ex-deputado Paulo Rocha (PT-PA), que renunciou ao mandato para não ser julgado na esteira dos atuais escândalos, presidindo reunião de bancada dentro da Câmara dos Deputados. Ele respondeu: "Continuo, entendeu?"

Não. Isso não deu para entender. Muita coisa não está dando para entender. Quando isso acontece é ruim para a fé do país nas instituições.

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