Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, novembro 30, 2005

MERVAL PEREIRA Continuidade

O GLOBO

Para além das interpretações políticas, os dados divulgados pelo IBGE na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), e interpretados pela Fundação Getúlio Vargas, que revelaram uma melhora sensível na distribuição de renda do país e a redução da miséria em 2004, mostram que a manutenção, nos últimos dez anos, de uma política econômica que privilegia o equilíbrio fiscal e o controle da inflação é essencial para esses avanços, que se destacam quando acontece o crescimento econômico. Crescer acima de 4% ao ano com inflação baixa é uma combinação de forças positivas que só experimentamos em três ocasiões nos últimos dez anos.

O governo do presidente Lula tem toda razão em alardear os avanços obtidos, e faz parte do jogo político assumir todos os louros, ainda mais quando no primeiro ano de seu governo o resultado negativo mostrou um aumento da pobreza no país. Mas, como sempre, o presidente Lula comemorou os resultados da Pnad 2004 com um exagero peculiar, dizendo que os números mostrariam que a desigualdade começou a diminuir no país depois de 20 anos. Não é isso que as estatísticas mostram.

É verdade que, desde 1995, no segundo ano do Plano Real, a pobreza não caía tanto no Brasil. Mas o índice de Gini, que mede a concentração de rendas nos países, mostra uma tendência de queda nos últimos dez anos, embora com algumas estagnações em alguns anos. Variando de um a zero, quanto menor o índice mostra a renda menos concentrada. Em 1993, antes do Plano Real, ele era de 0,600 e em 1995 caiu para 0,585. Em 1996 e 1997, com um crescimento médio do PIB de 3%, o índice ficou estagnado, pois o crescimento do PIB per capita cresceu apenas 1,5%.

Entre 1999 e 2001, o PIB per capita teve crescimento negativo, e o índice de Gini ficou estagnado, apesar de em 2000 o crescimento econômico ter sido de 4,4%. Em 2003, início do governo Lula, a estagnação econômica e a inflação alta aumentaram a miséria, com um crescimento do PIB de apenas 0,5% e uma renda per capita negativa de 0,9%. Apesar da melhora constante da distribuição de renda demonstrada pelo índice Gini, nesses últimos dez anos o crescimento médio do PIB foi de 2,4%, e o PIB per capita cresceu em média apenas 0,9%.

Apesar de o chefe do Centro de Estudos Sociais da FGV, Marcelo Néri, identificar uma "inédita distribuição do bolo" em 2004, admitiu que a consistente redução da miséria começou em 2001, com expressiva distribuição de renda. Outro resultado da constância da política econômica é que o Brasil alcançou a primeira das Metas do Milênio da Organização das Nações Unidas (ONU), que deveria ser alcançada apenas em 2015: reduziu a miséria pela metade.

O número de pessoas que ganham pelo menos US$ 1 por dia caiu de 12,41% em 1993 para 5,33% em 2004, o que confirma a tendência constante de melhora. Esses números devem piorar este ano, já que o crescimento econômico não deve passar de 3%. Hoje, o nível de crescimento próximo do negativo do terceiro trimestre deve ser anunciado.

Mas os números da Pnad foram suficientes para o Ministro da Fazenda, Antonio Palocci, poder anunciar que a preocupação social nunca foi menosprezada pela política econômica, e ganhar fôlego político para defender a permanência da estratégia de equilíbrio fiscal e controle da inflação.

Contra a tese de que o governo deveria gastar mais no ano eleitoral, Palocci tem garantido ao presidente Lula que com o controle de gastos com a inflação baixa — cerca de 4,5% previsto para o próximo ano — o crescimento econômico do país estará próximo dos 5% às vésperas da eleição, o que terá reflexos na vida dos eleitores sem que se precise perder o controle das contas públicas.

Na disputa com a ministra Dilma Rousseff, Palocci ganhou um tempo precioso mantendo o superávit primário em 4,25%: não há mais tempo para gastar mais este ano, e o superávit será maior; e a idéia de que o superávit deve ser permanente ficou intocada, mesmo que não tenha se oficializado ainda o projeto de planejar a longo prazo o equilíbrio fiscal, com metas para dez ou quinze anos.

Com a alegria com que o presidente Lula anunciou ontem que as políticas sociais nunca foram afetadas pela política econômica, O ministro Palocci voltou a ter argumentos na disputa com setores petistas do governo.


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Um dos pontos-chave para a definição da corrida presidencial é a permanência ou não da verticalização, que ontem não teve quórum para ser votada. Sistema adotado nas últimas eleições por decisão do Tribunal Superior Eleitoral, obriga a que todas as coligações eleitorais sejam feitas a partir da coligação para presidente da República.

A medida já provocou grande polêmica em 2002, mas, para alterá-la, terá que ser votada uma emenda constitucional que necessita da aprovação de 2/3 do Congresso, o que está difícil de conseguir a esta altura do campeonato.

Essa interpretação, no entanto, é controversa, e os que querem a manutenção da verticalização certamente recorrerão ao Supremo para argüir a inconstitucionalidade da mudança fora do prazo. Por uma dessas coincidências que tornam a política um jogo fascinante, quem preside hoje o Supremo é o ministro Nelson Jobim, que, como presidente do TSE, foi quem deu ganho de causa em 2002 ao deputado Miro Teixeira, que identificou o sistema de verticalização como uma exigência da Constituição em vigor.

Ao mesmo tempo, Jobim é tido como uma alternativa do PMDB para o caso de uma candidatura própria, que será facilitada se não houver verticalização. Se a verticalização for mantida, o mais atingido será o ex-governador Garotinho, que pleiteia também a candidatura pelo PMDB. Há um movimento no partido para não lançar candidato próprio se a verticalização permanecer, para facilitar as composições regionais.

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