Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 27, 2005

LUÍS NASSIF O iconoclasta internacionalista

FSP
Analisem-se os números:
1) São Paulo tem 1,6 milhão de desempregados (só para as contas, já que devem ser mais).
2) A um custo médio de US$ 3 a hora, são US$ 41,4 milhões/dia de valor/hora perdidos para sempre.
3) Em termos de dias úteis de trabalho, são US$ 10,598 bilhões de perdas definitivas por ano, causadas pelo desemprego induzido pela política de estabilização e pelos juros altos, pela ausência de crédito à produção e pela abertura indiscriminada às importações.
As contas não são de um provinciano, que em geral não tem resposta quando o cabeça de planilha levanta o argumento definitivo: "Em todo lugar é assim". No livro "Moeda e Prosperidade" (Topbooks), André Araújo levanta o mais formidável conjunto de argumentos contra as verdades estabelecidas pelo discurso monofásico da última década.
Araújo não e um personagem exposto. Não freqüenta guetos acadêmicos, não se mete em atos explícitos de política, não tem sequer um currículo que chame a atenção. Mas conhece profundamente personagens-chave da história americana, do Departamento de Estado à grande imprensa. Mais que isso: tem um conhecimento enciclopédico, uma capacidade de observação da realidade, uma visão de mundo, de empresas, de direito, de política que, antes, só tinha observado em alguns personagens da cena carioca dos anos 50. Araújo é especialista em demonstrar que "em quase nenhum lugar é assim", para rebater os argumentos do mercado.
Seu livro é um banho de informação abrangente sobre processos históricos e uma das críticas mais poderosas já publicadas por aqui contra o pensamento econômico ortodoxo. Esmiúça as principais correntes econômicas, agrega a visão histórica que sempre faltou a essas formulações. E tem um faro fantástico para identificar as sucessivas operações que ajudaram a arrebentar as contas públicas brasileiras e a criar "esqueletos" do nada. Como quando, em novembro de 1998, a Secretaria do Tesouro Nacional permitiu a troca de R$ 14 bilhões em títulos podres -cerca de 48- por Notas do Tesouro Nacional. Apenas um dos maiores, os créditos da Sunamam, por exemplo, seriam facilmente questionados, porque originados de duplicatas frias sacadas por estaleiros contra a Sunamam. Mesmo assim, trocou-se um título podre e vencido por uma promissória novinha em folha, pelo seu valor de face.
Em seu livro, Araújo repassa um a um os desastres na condução da divida pública e cambial, inclusive as operações de "swap" do Banco Central em 2002 -contra o consenso, ele considera a diretoria da época a mais desastrada da história do banco.
Dentro da enorme quantidade de informações originais, de conhecimento profundo do funcionamento da economia americana, do Fed, do BIS, Araújo ainda consegue identificar as raízes do pensamento "mercadista" -uma corrente de opinião que se transformaria na mais influente voz a induzir os rumos da política econômica mundial no século.
O início foram os boletins do Citi, lançados originalmente em 1904. Em agosto de 1948, outubro de 1949 e dezembro de 1949, o boletim traz artigos antológicos de ataque ao keynesianismo.
No começo dos anos 60, o "Boletim Econômico" do Citi tinha como diretor Sam Nakagama, economista que foi aluno de Milton Friedman em Chicago. Nakagama saiu do Citi em 1965, ligou-se à Argus Research, consultoria econômica de prestígio, que promoveu a conferência de lançamento do monetarismo no hotel Arizona Biltmore, em novembro de 1969.
O boletim do Citi chegou a ter 300 mil exemplares de circulação. É considerado por Araújo o "Diário Oficial" do monetarismo. Seu grande segredo era um departamento econômico com mais de 80 economistas, dos quais 50 de primeira linha.
O Citi sempre teve essa vocação de influenciar políticas econômicas nacionais. Nos anos 80, o Comitê de Credores do Brasil era chefiado por William Rhodes, do Citi. Vinte anos depois, Rhodes assumiu a presidência do influente Conselho das Américas, fundado por David Rockefeller.
Mas foi na Argentina de Menem, relata André, que a partir de 1990 o Citi operou magistralmente como o grande maestro do Plano de Conversibilidade, o Plano Cavallo, "uma espécie de missa de réquiem do monetarismo devastador".

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