Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, outubro 24, 2005

Fwd: Reinventar os jornais



OESP
Reinventar os jornais

Carlos Alberto Di Franco

Ben Bradlee, o carismático ex-diretor do Washington Post, é sempre uma palavra que merece ser ouvida. Segundo Bradlee, "um grande editor é alguém capaz de atrair bons profissionais para trabalhar no jornal. É alguém que sabe como encorajar talentos e despertar o melhor nas pessoas. É como um técnico de um time". O comentário, apoiado na força persuasiva da simplicidade, resume todo um programa de recursos humanos para as redações.

Os recursos humanos são, de fato, a peça-chave de uma empresa informativa. O tempo e o dinheiro gastos em atrair, formar e aperfeiçoar os melhores profissionais são um investimento extremamente rentável. O gerenciamento de uma redação é muito mais do que uma atividade de coordenação editorial. É a fascinante capacidade de promover talentos. Os bons editores, assim como os grandes maestros, sabem que a beleza de uma sinfonia não depende de um gênio solitário, mas de uma fina solidariedade de talentos.

Bradlee, um editor formado numa época de ouro do jornalismo impresso, não conseguiu, no entanto, captar as reais conseqüências do avanço da internet. A seção de classificados, por exemplo, nicho tradicional da mídia impressa, precisa ser repensada com urgência e ousadia. Caso contrário, será engolida pelas facilidades oferecidas pela internet. A cultura virtual, queiramos ou não, é um fato. Os jovens são navegantes compulsivos do ciberespaço. Mas os jornais só conquistarão essa importante fatia do mercado se efetivamente perceberem que os seus sites não podem ficar reduzidos à simples reprodução virtual do seu conteúdo impresso. O jornalismo na internet pressupõe uma profunda revolução nos conceitos, na forma e no conteúdo da informação. Exige, ademais, equipes especializadas e bem formadas na cultura do jornalismo online.

Bradlee percebeu que o jornal pode ser imbatível na cobertura local. Segundo ele, a TV e a internet estão um pouco "ausentes no noticiário local, sobre o que está acontecendo na comunidade em que as pessoas vivem. E esse é um mercado importantíssimo para nós". Tem razão. A globalização está produzindo um fenômeno curioso: quando tudo é (ou pretende ser) transnacional, o local ganha enorme importância. As pessoas estão carentes de vínculos próximos. O leitor quer saber o que acontece na sua cidade, no seu bairro, no seu quarteirão. O consumidor real - não o de proveta, concebido no ambiente rarefeito das redações - quer saber em que medida o global pode afetar o seu dia-a-dia e, como é lógico, o seu bolso. Quer uma ágil e moderna prestação de serviços. Consultórios ou seções de respostas nas áreas de saúde, direito, aplicações financeiras e informática, por exemplo, são um sucesso em todo o mundo.

Ben Bradlee, formado na escola dos antigos editores, mantém excessiva distância dos leitores. Não acredita nas pesquisas de opinião e imagina que a postura vertical é a mais recomendável para o relacionamento do jornal com o seu público. "Os leitores podem não querer ver no jornal o tipo de informação de que precisam. E podem não querer o que você acha que eles deveriam receber", sublinha. Um bom jornal, por óbvio, não pode ficar refém do mercado. Precisa, freqüentemente, tornar interessante o que é realmente importante. Mas um jornal de qualidade não pode viver de costas para o leitor. Os jornalistas precisam escrever para os leitores, e não para os colegas. O jornal precisa ter a sábia humildade de moldar o seu conceito de informação, ajustando-o às autênticas necessidades do público a que se dirige. Quando jornalistas e editores, entrincheirados e hipnotizados pelas telas dos computadores, não vão à luta, as redações se convertem em centros de simples processamento de informação pasteurizada. O lugar de repórter é a rua, garimpando a informação, apurando, prestando serviço ao leitor.

Outro risco que ameaça a mídia impressa é a crescente e perigosa confusão entre informação e entretenimento. O jornalismo está virando show business. Espartilhados pelo mundo do espetáculo, repórteres estão sendo empurrados para o incômodo papel de uma peça descartável na linha de montagem da ciranda do entretenimento. Urge, também, combater as manifestações do jornalismo declaratório e assumir, com clareza e didatismo, a agenda do cidadão. É preciso cobrir com qualidade as questões que influenciam o dia-a-dia das pessoas. É importante fixar a atenção da cobertura não mais nos políticos e em suas estratégias de comunicação, mas nos problemas de que os cidadãos estão reclamando.

Repórteres carentes de informação especializada e de documentação apropriada acabam sendo instrumentalizados pela fonte. Sobra declaração leviana, mas falta apuração rigorosa. A incompetência foge dos bancos de dados. Na falta da pergunta inteligente, a ditadura das aspas ocupa o lugar da informação. O jornalismo de registro, burocrático e insosso, é o resultado acabado de uma perversa patologia: o despreparo de repórteres e a obsessão de editores com o fechamento. Quando editores não formam os seus repórteres; quando a qualidade é expulsa pela ditadura do deadline; quando o planejamento é uma abstração; quando as pautas não nascem da vida real; quando não se olha nos olhos dos entrevistados - está na hora de repensar todo o processo. A autocrítica deve, além disso, ser acompanhada por um firme propósito de transparência e de retificação dos nossos equívocos. Reconhecer o erro, limpa e abertamente, é pré-requisito da qualidade e, por isso, um dos alicerces da credibilidade.

O jornalismo de qualidade reclama atualização, treinamento, inovação e ética. Fora disso é o vazio. E não há anabolizante que resolva.


Arquivo do blog