Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, setembro 26, 2005

Reinventar a nação LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

folha de s paulo

Um país é forte e vigoroso quando possui uma nação coesa e um Estado capaz: só um Estado-nação com essas qualidades pode ser um instrumento efetivo da ação coletiva de seu povo. No Brasil, o Estado sempre foi mais forte que a nação, mas essa vinha aos poucos se mobilizando e ganhando autonomia na medida em que o país se desenvolvia. Nos últimos 25 anos, porém, a partir da grande crise da dívida externa dos anos 80, verificou-se um retrocesso e o país voltou a se subordinar. A idéia de nação, porém, não foi esquecida. Nos próprios anos 80, ela se manifestou na luta pela democracia; hoje, indignada, ela reaparece reagindo diante da crise moral por que passa o governo brasileiro. Entretanto, a nação brasileira só será reconstituída quando assumir o controle de sua política econômica e for capaz de acordar uma estratégia nacional de desenvolvimento.
Uma nação é uma comunidade de pessoas que compartilham um destino comum. É um povo capaz de se unir solidariamente para organizar a própria vida social na forma de um Estado. É uma sociedade que, não obstante os conflitos internos que a caracterizam, tem um acordo nacional básico quando se trata de competir com os demais Estados nacionais. Uma nação será tanto mais forte quanto mais coesa e mais capaz for de definir seu próprio destino, em vez de se deixar guiar pelas nações mais poderosas, suas competidoras; quanto mais for capaz de se inventar e reinventar diante dos novos desafios.
Na era da globalização, a rivalidade entre os Estados-nação deixa ser militar para se tornar econômica. Nesse processo competitivo, os países mais ricos e poderosos usam de todas as armas disponíveis para promover seus interesses. Dessa forma, empurram a escada desses países que os ameaçam com sua mão-de-obra barata. Usam como instrumento seus conselhos e pressões sobre os países em desenvolvimento para que adotem políticas e reformas que, embora parecendo racionais, com freqüência os prejudicam. No plano da definição das regras do jogo, o exemplo de pressões danosas foi sobre a propriedade intelectual na Rodada Uruguai. No plano das propostas de reforma, a abertura financeira. No plano da política econômica, a estratégia de crescimento com poupança externa. No plano mais geral, na rejeição da necessidade de uma estratégia nacional de desenvolvimento: mercados livres seriam suficientes para promover o desenvolvimento.
No Brasil, como nos demais países da América Latina, a idéia de nação é hoje muito frágil. Enquanto as nações dos países desenvolvidos e dos países asiáticos mais dinâmicos sabem que a globalização não é outra coisa senão a competição generalizada entre os Estados-nação e tratam de se unir em torno de seus governos para enfrentá-la, os países da América Latina ainda não perceberam que terminou a Guerra Fria e permanecem siderados pela riqueza e pela cultura superior dos países ricos.
Nossa independência foi antes o reflexo da crise de um império decadente, somada aos interesses da Inglaterra em substituí-lo, do que o resultado de uma luta nacional. Por isso, de repente, em 1822, nos vimos com um Estado sem que tivéssemos verdadeiramente uma nação. Entretanto, entre 1930 e 1980, fomos capazes de não ouvir conselhos ou aceitar pressões e formular uma estratégia nacional de desenvolvimento. Por isso, nesse período o país conheceu um desenvolvimento extraordinário. A partir de 1980, porém, entramos em uma grande crise econômica, e desde os anos 90 recaímos em uma situação de dependência quase semicolonial na medida em que, fragilizados pela grande crise da dívida externa dos anos 80, nossa política econômica passou a refletir as orientações vindas de Washington e de Nova York. Embora houvéssemos, em 1994, logrado dominar a inflação graças a uma estratégia desenvolvida no país de neutralizar a inércia inflacionária, adotamos, em seguida, duas políticas equivocadas, mas que contam com o apoio entusiástico do Fundo Monetário Internacional e do Tesouro dos EUA: a estratégia de crescimento com poupança externa e uma taxa de juros básica exorbitante do Banco Central.
Nos últimos anos, foi aos poucos se tornando claro que essas orientações resultaram em semi-estagnação. Confirmava-se, assim, o fato de que não há desenvolvimento sem autonomia nacional. Por outro lado, o êxito econômico dos países asiáticos mostrava mais uma vez que só os países capazes de pensar por conta própria se desenvolvem. Essas evidências serão suficientes para que os brasileiros decidam recuperar sua idéia de nação? Não estou seguro, mas estou otimista. No plano político, os brasileiros souberam, nos últimos 30 anos, construir uma democracia sólida. E agora a nação brasileira se une contra a ameaça à sua identidade moral. Sua primeira prioridade, a partir da crise, será fazer a reforma de seu sistema eleitoral de forma a permitir que o partido político vencedor logre maioria ou uma representação mais confortável na Câmara dos Deputados. A segunda -e mais difícil- deverá ser a definição consensual de uma estratégia nacional de desenvolvimento.

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