Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, setembro 28, 2005

EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO A debandada dos petistas


E ngana-se quem achar que a debandada de fundadores, parlamentares e militantes do Partido dos Trabalhadores se deva à incompatibilidade que homens de bem naturalmente sentem quando o ambiente onde exercem suas atividades é tomado pelo miasma da corrupção. Os escândalos do mensalão, da manipulação de "recursos não contabilizados" e da utilização ilícita de fundos públicos pela alta direção do PT não fizeram parte dos cálculos da maioria dos políticos que trocaram de sigla nos últimos dias. Fazem isso agora porque na sexta-feira termina o prazo legal para que possam mudar de partido sem perder o direito a uma candidatura nas próximas eleições - e o que motivou a decisão não foi qualquer prurido ético, mas razões de ordem exclusivamente ideológica.

Os políticos que se desfiliaram do PT são tão insensíveis à deterioração moral do partido quanto aqueles que permaneceram na legenda. Nenhum deles manifestou repulsa pelos métodos que achincalharam o governo e o Congresso. No máximo, reclamaram que o Campo Majoritário, nas eleições internas do partido, tratou os militantes como rebanho no curral. Mas todos - com a exceção de Hélio Bicudo - apresentaram argumentos ideológicos para justificar sua dissidência.

Fica claro, assim, por que foi tão fácil montar, no partido que se vangloriava de ser o baluarte da moralidade pública, um elaborado esquema de compra e aluguel de votos e fidelidades. Os militantes não estavam e não estão preocupados com isso.

Plínio de Arruda Sampaio, por exemplo, refere-se de passagem à crise moral do partido que ajudou a fundar, num artigo publicado na Folha de S. Paulo. Fala na "trágica crise que se abateu sobre o partido e seu governo" e muda rapidamente de assunto. Hélio Bicudo, outro fundador, vai um pouco além, falando dos "casos de corrupção dentro do governo e se estendendo pelo Parlamento". Mas, se estivesse francamente abalado pelos métodos mafiosos usados pelo partido para obter e conservar o poder, não teria esperado desde 1995, em silêncio obsequioso, para revelar de que forma o então presidente do partido, Luiz Inácio Lula da Silva, se recusou a dar seguimento às apurações da comissão, integrada por ele, que investigou as denúncias de corrupção interna feitas pelo militante Paulo Tarso Venceslau, que de acusador passou a réu e foi expulso do PT, permanecendo ileso o advogado Roberto Teixeira.

A debandada se dá, como explicou Plínio de Arruda Sampaio, porque "o partido se rendeu ao neoliberalismo. Não foi, como se alega, uma tática de transição. Lula e a cúpula petista convenceram-se de que a receita neoliberal de estabilidade do mercado a qualquer custo, de abertura comercial, de terceirização e privilégios aos investidores estrangeiros é o melhor que se pode fazer para o Brasil". Recorda ele que ingressou no Partido dos Trabalhadores porque ali via "um programa de construção do socialismo democrático; preponderância de gente do povo entre seus fundadores; subordinação da cúpula partidária às decisões dos núcleos de base" - e essas características não existem mais.

Mas o Partido dos Trabalhadores não se transformou no que é da noite para o dia. Quando, seis meses antes das eleições presidenciais de 2002, a cúpula partidária - que já havia contratado o marqueteiro Duda Mendonça e estabelecido a política de alianças, repudiada em eleições anteriores - decidiu mudar a orientação da campanha, comprometendo o PT com a estabilidade monetária, os socialistas "genuínos" que agora abandonam o barco não se rebelaram. Sabiam, como todos os demais petistas, que essa era a única maneira de vencer as resistências do eleitorado à candidatura Lula e não deitaram a perder a oportunidade única de chegar ao poder. Nisso, não se distinguem dos sobas do Campo Majoritário, a quem acusam pela desfiguração do PT: para todos eles, na conquista e manutenção do poder vale tudo. Para uns, valia o estelionato eleitoral, pois imaginavam que, uma vez no Palácio do Planalto, Lula renegaria as promessas da Carta aos brasileiros. Para outros, valeu a mais completa conspurcação dos costumes políticos de que este país teve conhecimento.

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