Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 27, 2005

Editorial de O Estado de S Paulo Paciência, paciência...

Cobrado por não se manifestar de peito aberto sobre a crise política nascida dos escândalos da corrupção - depois de sua tépida fala na reunião ministerial de duas semanas atrás -, o presidente Lula resolveu na quinta-feira roubar a cena. Para tanto, saiu-se com um improviso que chega a ser patético como tentativa de transformar em melodrama, em proveito próprio do autor, uma situação já de si dramática, pelo que contém de evidências sobre a lama que o Partido dos Trabalhadores (PT) conseguiu produzir antes e, em especial, depois de galgar o Planalto. Como se o País estivesse com a respiração presa, de medo que Lula estivesse para se suicidar, ou renunciar, ou ser deposto, ele assegurou aos brasileiros que não seguirá o destino de Getúlio Vargas, Jânio Quadros ou João Goulart.
E revelou o que seria sua estratégia para sair da crise, vivo e presidente: três doses de paciência, até que se identifique 'quem praticou ou não corrupção'. Paciência, e muita, devem ter os brasileiros, pois a atitude do presi
dente não é o que parece - o resignado estoicismo dos inocentes que sabem que cedo ou tar de a verdade triunfará. É a mera reprodução de um percurso político. Lula fundou um partido e disputou pacientemente quatro eleições presidenciais porque outra coisa não foi na vida pública se não o eterno candidato incapaz de desencarnar dessa condição - mesmo quando sugere que talvez não concorra à reeleição.
Na realidade, concorrer é o que ele mais quer, e a corrupção o aflige também, ou sobremodo, porque pode impedi-lo de ficar no poder até 2010.
Era de prever que o improviso dominaria o noticiário político do dia.
Mas não foi o que de mais importante a jornada trouxe, para se encontrar o fio condutor dos acontecimentos com os quais o País está às voltas há 16 semanas. Nesse sentido, significativas foram três outras declarações, duas delas de Rogério Buratti, o ex-companheiro do ministro Antonio Palocci.
Em dado momento de sua inquirição na CPI dos Bingos, afirmou que tê-lo denunciado na polícia foi o 'maior conflito' já vivido por ele, porque o prefeito que ele acusa de ter recebido de uma empresa R$ 50 mil mensais para repassar ao PT 'tinha uma trajetória ligada
ao partido (e) é um homem íntegro e correto'.
Nenhuma incompatibilidade entre uma coisa e outra: é a regra do jogo.
Buratti contou ainda ter transmitido ao Ministério da Fazenda, a pedidos, uma oferta de corrupção (no caso da renovação do contrato da Gtech com a Caixa Econômica Federal).
Deu em nada, mas é de estarrecer a naturalidade com que se houveram os envolvidos: quem sugeriu a torpeza tinha motivos para achar que ela podia vingar, quem a recebeu não enxotou o proponente, nem o ministro destituiu o auxiliar que a levou até ele. É o que dá quando se tem uma trajetória ligada ao PT. Isso fica cristalinamente claro na terceira declaração digna de nota dos jornais de ontem. O autor é o acadêmico Fernando Haddad, sucessor do atual presidente do PT no Ministério da Educação.
Falando no ciclo de conferências 'O silêncio dos intelectuais', promovido pelo Ministério da Cultura, ele sustentou que o erro capital da cúpula da agremiação foi 'imaginar que seria possível mudar o Estado patrimonialista brasileiro a partir da lógica patrimo
nialista' - a dos que usam o poder público para favorecer interesses privados. Terá sido, portanto, um meio inadequado para um fim justo. O adequado seria o PT não trair a sua ideologia de berço e continuar na trilha da implantação do socialismo no Brasil. Já os que imaginaram usar o sistema para destruí-lo (ou melhor, para perpetuá-lo, sob o seu comando) seguiam o que já se chamou, no atual contexto, 'ética bolchevista', expressão cunhada pelo líder bolchevique Leon Trotsky.
Em bom português, isso significa que o PT se deu o direito de fazer o que condena nos demais partidos, porque estes o fazem por mera cupidez - e ele, para transformar o País. A rigor, a lógica dos que passaram a fazer, em nome da
Causa e em todos os níveis de governo, o que diziam abominar, é idêntica à de muitos dos quadros do futuro PT, na virada dos anos 1960 para os 1970. A pretexto de combater a ditadura, eles 'expropriavam' bancos para reunir recursos que lhes permitissem levar adiante o seu projeto guevarista. Agora, expropriam o Erário. Pelo visto, no PT ou se é extremista e arcaico, ou se é moderno e corruptor.

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