Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, agosto 30, 2005

Afinal, o PT é bom ou não é bom para a democracia? Augusto de Franco

e-agora

Duas entrevistas de Fernando Henrique foram publicadas anteontem, pelo jornal O Estado de S. Paulo e pelo jornal argentino Clarín. A primeira, muito boa. A segunda , nem tanto. As duas estão reproduzida aí ao lado, na seção artigos.

Vamos primeiro à entrevista boa, a do Estadão.

Perguntado sobre o que fazer, já que "o Brasil parece sofrer de corrupção crônico-endêmica", Fernando Henrique respondeu magistralmente. "A corrupção foi endêmica no passado em muitas democracias avançadas. Até hoje há restos dela em alguns países. Com o tempo, com punições e rigores legais, a corrupção diminui, embora seja difícil acabar com ela totalmente. O grave no caso atual é que há elementos novos na corrupção: ela se organizou em uma rede que tem apoio em uma visão política do segmento até agora dominante no PT. Como o PT está no governo, isso ampliou as possibilidades do uso de dinheiro também para manutenção e expansão do poder. De endêmica a corrupção estava passando a sistêmica". Nada a acrescentar.

Perguntado se "ainda acha que o PT será o maior inimigo do presidente Lula nas próximas eleições?", Fernando Henrique respondeu: "acho que o PT será o grande inimigo do presidente Lula em 2006. O PT não fez a revisão crítica de seu programa - a autocrítica tão falada por eles - e, principalmente, de seus métodos. A superposição entre partido e governo e, agora, as evidências de que o projeto de poder do partido induz a utilizar o Estado para obter recursos e usá-los para fins privados do partido distorcem a democracia". Sim, é exatamente disso que se trata, para além do possível enriquecimento ilícito de alguns, de uma distorção da democracia.

Perguntado se "acha, como Serra, que o PT viveu o sonho do controle absoluto de todos os mecanismos de poder?", Fernando Henrique respondeu com precisão. "Eles têm uma tendência absolutista, sem dúvida. Ficou a idéia do partido redentor da humanidade. Como ele é redentor, ele sozinho toma conta do Estado e muda a sociedade. Isso é a origem de tudo. O que leva ao desastre é achar que pela causa, pelo partido, tudo pode. Foi isso que ficou daquela visão transformadora e revolucionária: apenas a casca. Hoje, é o poder pelo poder. Eu não aceito isso nem para fazer a revolução. No fundo, você está expropriando um banco. Há um pouco de complacência: como é pela causa, pode. O problema é que em geral sobra para o bolso alguma coisinha. Essa racionalização quebra os limites da lei. Como você tem compromisso com o povo, acha que está certo. É como o Lula: eu fiz tudo, eu sou o melhor. Ora, isso é totalitarismo, é fundamentalismo. Isso tem de ser combatido pelos intelectuais. Aí é que está a falência dos intelectuais: é quando não denunciam que isto está errado. No fundo, está faltando coragem para defender a democracia, que é o pluralismo, a alternância no poder. Você não tem o conhecimento absoluto, você tem de seguir certas regras". Nada a acrescentar também.

A não ser ressaltar que, por essa entrevista concedida ao Estadão, Fernando Henrique dá a entender que o PT causa prejuízos à democracia.

Vamos agora à outra entrevista, a ruim, concedida ao jornal argentino Clarín e publicada no mesmo dia (ontem).

Segundo o jornal argentino, Fernando Henrique afirmou que "esta era una crisis que empezó en el PT y ahora llega al gobierno". Dito assim, soa verossimilhante para quem não está acompanhando e analisando de perto a realidade política brasileira. Tão claro como falso. A crise começou no comando do PT que estava (con)fundido ao comando do governo.

Perguntado "¿Por qué le preocupa que el PT pueda desaparecer?", Fernando Henrique respondeu o seguinte. "Porque nuestro sistema de organización del poder está basado en dos posibilidades: PT y PSDB. Alrededor de esos dos partidos se nuclean las otras fuerzas y es eso lo que permite la alternancia. Si el PT pierde esa capacidad como polo de la alternancia, no hay partidos que puedan llenar su espacio. Puede abrirse entonces un camino populista en función de eso y de la pobreza, o porque no hay condiciones para satisfacer a todo el mundo". Resposta errada. Pois ocorre que o PT já é esse partido populista, não populista em termos de política econômica e sim populista em termos das formas de controle social que utiliza, via manipulação das massas pela propaganda política e pelos discursos de palanque de um líder que se coloca acima das instituições democrático-republicanas para estabelecer uma ligação direta com as massas, prometendo-lhes o que não pode cumprir.

Perguntado se "¿Ve al PT bueno para la democracia brasileña?", Fernando Henrique respondeu que "siempre creí eso. Pero no este PT de ahora. Nunca me gustó que el PT descalificara sistemáticamente a la socialdemocracia. Nos acusaron de todo, que éramos de derecha, que éramos neoliberales, conniventes con la corrupción. Todo eso lo hicieron para llegar al poder. Pero creo que la existencia del PT significó un contrapunto importante para nuestro partido". Novamente aqui não é bem o que parece. O PT - tanto o de outrora, como o de agora - não faz bem à democracia brasileira. Pelo contrário, usa a democracia, nela se hospeda como um parasita. Ora, isso concorre para destruir, refrear ou restringir - não para construir, aprofundar, ampliar, radicalizar - a democracia.

Um leitor alheio ao que se passa entre nós que lesse as duas entrevistas, poderia ficar em dúvida: afinal o PT é bom ou não é bom para a democracia?

Fico com a resposta implícita na primeira entrevista.

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