Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, julho 28, 2005

Que PT é esse? Orlando Fantazzini

O Estado de S Paulo

 

Em minhas andanças pelo País tenho recebido diversas manifestações por parte da base social do Partido dos Trabalhadores, de militantes, filiados e simpatizantes. A principal pergunta que tenho ouvido dessas pessoas gira em torno da seguinte questão: que PT é esse? Esse não é o PT que ajudamos a construir, esse não é o PT no qual militamos e que faria a transformação social.

O sentimento da nossa militância é de vergonha e decepção com um partido que nasceu para ser diferente, que nasceu com a proposta de construir uma sociedade mais solidária, fraterna e igualitária. Que destino esses ideais tiveram? Não são mais contemporâneos? Estão fora de moda? Foram superados pela ganância frenética de poder? A esquerda virou direita?

Definitivamente, todo o nosso baluarte ético e moral, construído em mais de 25 longos anos, vem sendo solapado. Um dos nossos maiores patrimônios, que é a militância que resistiu à ditadura militar, que foi torturada, que lutou pelas liberdades democráticas e que acreditou no Partido dos Trabalhadores, vem sendo destruído gradativamente.

Essa militância, que acreditou que o PT fosse diferente de todos os demais partidos, diz que não se reconhece mais diante da bandeira do Partido dos Trabalhadores, sente-se ludibriada e agora tem apenas um único desejo: que todos os culpados sejam identificados e responsabilizados pelas irregularidades e ilegalidades cometidas.

Toda a sociedade espera que as instituições públicas – polícia, Ministério Público, CPIs, Justiça – cumpram seu papel e consigam identificar os responsáveis, punindo-os penal, civil e politicamente.

Não se trata, pois, de uma crise gerada apenas pelos srs. Delúbio Soares, Sílvio Pereira e José Genoino. Trata-se de uma crise criada por uma elite que há muito tempo controla o PT.

É a elite do "Campo Majoritário", que reúne dirigentes com interesses comuns e distanciados da maioria do Partido dos Trabalhadores. Essa elite arrogante, que não faz interlocução com os demais, é autocentrada e hermética, impõe sua política pela maioria eleitoral no partido, fazendo com que a quantidade prevaleça sobre a qualidade.

O PT burocratizou-se e se tornou uma poderosa máquina partidária, igual a outros partidos, que emprega interesses concretos e oportunistas. O ápice, sem dúvida, foi a chegada ao governo federal. Cargos comissionados aumentaram consideravelmente. Estatais passaram a pagar salários superdimensionados a apadrinhados políticos e a pessoas sem capacidade técnica e profissional. O apadrinhamento e o compadrio continuaram tendo espaço, em detrimento do profissionalismo e da boa técnica.

A cada dia somos surpreendidos com novas denúncias e fatos que envolvem o partido e que despencam sobre nossa cabeça numa velocidade tão grande que faz com que haja o risco de perdermos o fio da meada, banalizando o que por si só se configura como, talvez, o maior escândalo da história do partido e do País.

É de estranhar tanta complacência da direção nacional do PT com alguns membros do partido que estão sendo denunciados. Lamentavelmente, os que tentam preservar o partido, manter as políticas que historicamente o PT defendia e votam contrariando as atuais idéias governistas são punidos com severidade. Alguns deputados da ala esquerda do PT, entre os quais me incluo, foram suspensos sumariamente, sem contar outros companheiros que sofreram sanção ainda mais dura que a nossa – Luciana Genro, Heloísa Helena, Babá e João Fontes foram expulsos do partido.

A nossa militância quer esclarecimento e nos cobra explicações, sistematicamente, sobre as empresas que receberam recursos, sobre o dinheiro público utilizado supostamente de forma indevida, sobre as transferências de recursos de bancos para dirigentes partidários, sobre os importantes quadros do Poder Executivo que receberam recursos de esquemas. Todas essas denúncias têm provocado profunda indignação na militância do Partido dos Trabalhadores.

Esta crise é marcada por discursos de dirigentes que tentam demonstrar que o uso do dinheiro público para fins privados não é crime, que o caixa 2 não contém dinheiro público e que as operações bancárias realizadas são normais ou que os banqueiros não receberam privilégios e garantias públicas para conceder qualquer tipo de empréstimo.

Evidentemente, são justificativas frágeis, que revelam os valores defendidos pela elite. De fato, esses não são os verdadeiros valores da esquerda brasileira. Nestes dois anos e meio de governo Lula, vimos uma grande confusão ideológica, com o abandono de históricas bandeiras da esquerda brasileira, sob o pretexto de garantir a governabilidade.

O liame que separa posições políticas entre esquerda e direita oscila num espaço muito pequeno. Temos visto o PT defender posições clássicas da direita e demonstrar enorme fragilidade ideológica e política.

Toda essa metamorfose vem afastando o PT dos seus valores originários e o tornando avesso a propostas voltadas para a defesa de um novo modelo econômico e social que enfrente a grande concentração de renda e a exclusão social.

É fundamental que nós, do Partido dos Trabalhadores, tenhamos uma visão muito clara. O PT precisa fazer um acerto de contas, lavar a roupa suja, com todos os grupos e correntes internas, com seus eleitores e com a sociedade. Ele terá de se reinventar, caso contrário corre o risco de sofrer enorme ruptura, marcada pela saída de dirigentes, parlamentares e militantes que sempre foram fiéis aos valores de uma esquerda moderna e democrática.

A luta muitas vezes é maior do que um partido. Trata-se da transformação da sociedade e, acima de tudo, da busca pelo socialismo.

Orlando Fantazzini é deputado federal (PT-SP)

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