Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, junho 24, 2005

Míriam Leitão - Diagnósticos



Panorama Econômico
O Globo
24/6/2005

O médico Antonio Palocci aviou sua receita: "O sistema muscular e esquelético da economia tem que estar saudável e o organismo tem que ser imunizado para enfrentar os riscos de doença." Ele acha que o isolamento evitará o contágio. "Os problemas políticos precisam de remédios políticos; os da economia, remédios econômicos", prescreveu profilaticamente. "Estudei medicina preventiva", lembrou. A economia preventiva é de grande valor, mas às vezes falha.
Na economia, há sempre muita volatilidade, mudança de humor, fatores externos sabotando os tratamentos, por mais eficientes que sejam. Nos últimos dias, os termômetros do mercado praticamente não mostraram febre alguma, indicando que o organismo ainda não foi afetado pela infecção da crise política: o dólar operou a semana inteira abaixo de R$ 2,40, mas a bolsa caiu quase 5% em quatro dias e o risco subiu ligeiramente ontem. Nos números não se vê muito; nas conversas, o tom passou a ficar mais pessimista. E por que esse pessimismo não chega aos indicadores financeiros? Há muita liquidez no mercado internacional. Mas o perigoso é que está se firmando uma impressão de que a corrupção é endêmica no Brasil. Isso afasta os investidores de longo prazo e traz para o país apenas os investidores oportunistas.

Há um problema com o transporte das certezas médicas do ministro Palocci para o terreno econômico: estará a economia suficientemente isolada da política a ponto de não ser contaminada, seja qual for a virulência da crise política?

Na economia, às vezes os sistemas para evitar o contágio são derrubados por uma onda de especulação, ou por um evento em qualquer outro país. Vimos isso na década de 90. Naquela época, blindagens do FMI viravam peneira da noite para o dia. Portanto, é mais seguro trabalhar para dissipar a crise política e não achar que a economia consegue se manter num compartimento estanque porque o país tem reservas e superávit em transações correntes.

Ontem, houve um passo importante. Em vez de ceder à tentação de afrouxar o tratamento antiinflacionário, o Conselho Monetário apertou ainda mais. A meta de inflação mantida em 4,5% para os próximos dois anos é ousada para a história do Brasil, mas não para parâmetros mundiais. A maioria dos países tem taxas bem mais baixas. Se o Brasil quer se parecer com o resto do mundo, tem que continuar insistindo no caminho de querer derrubar ainda mais a inflação. Em 2006 haverá uma grande ajuda: o IGP-M é que corrige as tarifas, as tarifas são o principal foco de inflação e o índice ficará bem abaixo do IPCA.

O mercado começou o ano prevendo um IGP-M para 2005 perto de 7%. Agora está em pouco mais que 5%. Mas tem gente boa prevendo 4% ou até menos. O acumulado até a segunda prévia de junho é de 1,8%. Com o IGP-M mais baixo, fica mais fácil chegar à meta do ano que vem. E, com isso, as taxas de juros podem começar a baixar mais cedo. A ata do Copom voltou a usar aquela expressão "por um tempo suficientemente longo". Antes era usada para justificar a alta, agora para indicar que a taxa pode ficar parada em 19,75% por muito tempo.

Em banco centrês , esse "suficientemente longo" não quer dizer que a taxa ficará parada por muito tempo. A melhor tradução é: ficará neste nível enquanto for necessário. Pode ser breve essa espera. A queda da taxa não produz nenhuma recuperação econômica instantânea, mas anima os empresários e os consumidores. Inflação em queda, juros em queda e melhoria do humor econômico podem permitir o aumento do ritmo da economia e melhorar o cenário para o ano eleitoral de 2006.

Na entrevista coletiva de ontem, Palocci voltou a apresentar os números que provam que a economia brasileira é hoje um organismo mais forte que em outras crises. Um dos dados é que só 5% da dívida pública brasileira estão indexados ao dólar. Se ele disparar, sob efeito de alguma crise, o Brasil não verá a repetição do aumento rápido da dívida que houve em outros momentos de instabilidade cambial.

O ministro Palocci não é o único médico da junta. A ministra Dilma Rousseff falou a Tereza Cruvinel que o superávit primário além da meta é constrangedor. Enquanto isso, os ministros Palocci e Paulo Bernardo conversam sobre o ousado passo do déficit nominal zero. A mim, a ministra disse que não se pode "impor limites ao crescimento por teses irreais como a do PIB potencial". Disse que é preciso "discutir para além da estabilidade". Seu antecessor na Casa Civil sempre divergiu da política econômica, ela também demonstra ter suas diferenças. O governo jamais se uniu em torno da política econômica do ministro Palocci e não vai se unir. Pode até se dividir mais em dois momentos: na hipótese de agravamento da crise política e no ano eleitoral.

No período eleitoral, na hipótese de uma disputa acirrada, o governo ouvirá, dentro de casa, criticas à política econômica. Nunca houve consenso sobre ela. O diagnóstico do ministro Palocci é que a economia precisou passar por esse período e se fortalecer para, depois, iniciar-se o período do crescimento sustentado; com garantia de inflação baixa e contas equilibradas. O diagnóstico de grande parte do PT é que foi esse tratamento, à base de superávit primário e juros altos, que impediu um crescimento maior.

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