Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, junho 21, 2005

Dora Kramer - A repetição do erro na crise



DORA KRAMER
O Estado de S. Paulo
21/6/2005

Mudar ministros sem alterar critérios é insistir na cooptação a poder de barganhas A idéia de enfrentar a crise política dando mais ministérios ao PMDB e fazendo uma convocação geral à guerra "contra as elites" encerra um potencial tão evidente de equívoco que parece impossível alguém pensar seriamente em levar adiante sua execução.

Por essa ótica, repete-se, em plena crise, dois dos maiores erros cometidos pelo governo da posse de Luiz Inácio da Silva até aqui: a prática da cooptação de aliados em troca de lotes na administração pública e a adoção da tática do ataque agressivo, arrogante, e sobretudo imprudente, como arma de defesa.

Se esse tipo de atitude deu errado num período em que bem ou mal o governo ainda tinha força política, agora que esse capital se reduziu a índices muito baixos é de todo improvável a existência de alguma chance de sucesso.

A ofensiva de "reação" proposta pelo deputado José Dirceu à militância petista e aos movimentos sociais tradicionalmente aliados ao partido ou traduz o desespero de quem joga o último lance do vale-tudo, ou denota ausência total de discernimento a respeito dos fatos.

Antes de mais nada, há o risco de a convocatória não ser atendida. Esses mesmos que agora são chamados à luta foram durante esse período devidamente relegados a um plano secundário, quando não classificados no rol dos insurretos.

Quando bem tratados, eram solicitados a ter paciência; no mais das vezes, porém, foram convidados a obedecer sem questionar. Por isso, agora é difícil que aceitem a missão de guerreiros da causa perdida.

Como convencê-los a ir às ruas combater as "elites" se até outro dia eram chamados de ingênuos, até mesmo traidores, por não compreenderem as contingências de um partido alçado à condição de elite das elites com o apoio da maioria delas - a econômica, a política, a social e a intelectual?

Foi justamente em nome de um "pacto com as elites" para governar que a cúpula do PT arquivou as convicções que sempre mobilizaram seus militantes e simpatizantes. Portanto, falta combustível para mover a tropa.

Mas vamos que a base social tradicional do PT se esquecesse de que o partido está hoje no topo da pirâmide, resolvesse atender ao apelo e se dispusesse a lutar contra as "elites".

Ao se confrontar com elas, o governo estaria voltando ao berço original.

Só com ele, Lula não conseguiu se eleger por três vezes. Só com ele, não consegue governar em relativa paz até dezembro de 2006 e, dispensando as "elites", muito menos poderá se habilitar a um novo mandato.

Não parece lógico que o governo considere a hipótese de se sustentar no apoio do MST sem obter, com isso, o repúdio de boa parte da sociedade e caminhar para o isolamento sem volta.

Da mesma forma, não soa plausível a hipótese de José Dirceu comandar um levante a partir da Câmara dos Deputados. Se não conseguiu capitanear uma reação convincente quando titular da Casa Civil, dono de poder ilimitado, não parece crível que consiga na posse do mandato de deputado federal.

Isso tudo sem falar no efeito da tática do combate ilimitado sobre o ânimo da oposição, no momento razoavelmente contido pelas próprias conveniências eleitorais.

No tocante à reforma do ministério prevista para a fase pós-substituição de José Dirceu, a manutenção do critério de entrega de cargos em troca de apoio não ajuda a melhorar a percepção da opinião pública sobre o papel do governo nas denúncias de corrupção parlamentar.

A ampliação dos espaços do PMDB e a entrega de um ministério ao PP nessa altura já não significam trocar seis por meia dúzia. Equivale a convalidar métodos condenados.

O próprio PMDB, o maior beneficiário da alegada solução, hesita em assumir as quatro pastas oferecidas por entender que, agora, a leitura inevitável pública será a da repetição da lógica da barganha.

O partido, até agora relativamente salvo do desastre em cartaz, teme ser percebido como o "PTB da vez". Além disso, a ala oposicionista, inaugurando atuação conjunta com o grupo governista, argumenta internamente que, diante da incerteza da possibilidade de agravamento da crise, não vale a pena conceder ao governo sociedade na crise em troca de dois meros ministérios.

Isso não quer dizer que não se admitam conversas. Admitem-se sim, mas o preço considerado mais adequado a cobrar é político e diz respeito ao projeto principal do PT: a reeleição de Lula.

O PMDB já conseguiu que o partido mudasse sua posição contrária ao fim da regra das coligações regionais vinculadas às alianças partidárias nacionais, a chamada verticalização.

Agora, o governo será posto diante do imperativo de abrir mão do apoio antecipado do PMDB à reeleição para conseguir dele uma adesão ampliada e mais fiel. A proposta implica a aceitação, sem restrições, da candidatura própria dos pemedebistas como tese a ser defendida até pela ala governista.

Se não aceitar, o Planalto já foi avisado de que estará, com os quatro ministérios, apenas pagando mais por uma mercadoria que já tem: o apoio pífio de um partido dividido e disposto a desembarcar se tudo piorar.

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