Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, junho 28, 2005

AUGUSTO NUNES :Governar é decidir, presidente

JB


Foto ABr

Não decido sobre pressão'', trovejou no Palácio do Planalto o general-presidente Ernesto Geisel. ''Só decido sob pressão'', replicou no Congresso, um sorriso maroto contrastando com o rosto de faraó, o deputado Ulysses Guimarães. Então líder da oposição democrática à ditadura militar, Ulysses assimilara ainda no berço a lição dos estadistas: governar é decidir. Decidir sob pressões, porque o caminho percorrido por quem detém o bastão de mando é permanentemente batido por ventos contrários. E decidir sem demora, sobretudo em momentos de crise.

Qualquer decisão, mesmo equivocada, é melhor que nenhuma. O vazio provocado por hesitações e incertezas costuma produzir danos irreparáveis. Equívocos também causam estragos, mas em menor escala. São menos freqüentes quando a escolha é precedida de rápidas consultas a parceiros confiáveis. Constatado o engano, governantes devem invocar em silêncio a frase popularizada pelo presidente Juscelino Kubitschek: ''Não tenho compromisso com o erro''. E, com outra decisão, corrigi-lo.

Lula da Silva parece ignorar tais obviedades. Ou talvez simule desconhecê-las, na impossível tentativa de reviver os bons tempos de líder da oposição a todos os governos. Durante quase 30 anos, o pastor sem concorrentes limitou-se a apontar o atalho para o paraíso aos disciplinados rebanhos. O chefe do PT nem precisava decidir: expressava desejos, logo materializados pela Ordem dos Altos Companheiros.

As coisas mudaram com a chegada à Presidência. E ficaram bem mais complexas quando se juntaram ao PT, na inverossímil ''base aliada'', partidos que não têm programas nem projetos. Só têm listas de pedidos. Na oposição, Lula assinava com bics sem tampa papéis que só tratavam de cifras miúdas. No Planalto, esferográficas surradas foram substituídas pela caneta que nomeia e demite, que faz e desfaz.

Havia ministros a nomear, milhares de cargos a preencher, fatias do poder a distribuir entre companheiros ou aliados crescentemente gulosos, prioridades a estabelecer, alianças a consolidar. E o Brasil então constatou que Lula não é homem de decidir. Assaltado pela angústia, tenta adiar o inadiável, decola no ''Aerolula'' para longe de Brasília, delega a um Alto Companheiro a escolha intransferível. Também porque fala muito e ouve pouco, expõe-se com freqüência ao risco das decisões ditadas pela intuição. A solidão é má conselheira. Lula tem errado em demasia.

A hesitação costuma andar de mãos dadas com a teimosia, como atesta a reforma do Ministério. Anunciada há quase dez meses, levou três para engatinhar. O ministro do Planejamento, Guido Mantega, mudou-se para o comando do BNDES. O senador Romero Jucá foi escolhido para salvar a Previdência. A solução virou problema quando se divulgou o prontuário do fazendeiro do ar. A reforma parou aí. O hesitante errara ao nomear. O turrão negou-se a corrigir o equívoco. Tudo porque Lula não gosta de escolher e não sabe decidir.

Terá de mudar o estilo se quiser reeleger-se. Lula tem de afastar os ineptos que infestam o Ministério. Precisa livrar-se das más companhias. Deve combater a corrupção com medidas duras. E cuidar pessoalmente, como fizeram antecessores, das articulações políticas que interessam ao governo.

Decida mais, presidente. Mais e melhor.

Só há bandido nesse elenco

Trechos de um videobandido exibido há semanas pela TV Globo mostraram vários deputados de Rondônia tentando vender (por bom preço) apoio ao governador Ivo Cassol. A gravação, produzida e dirigida por Cassol, deixou desconfiado o Cabôco Perguntadô: por que o mocinho levara tanto tempo para divulgar tentativas de extorsão filmadas em 2003. A desconfiança era pertinente: a descoberta da gravação completa atestou que um esperto trabalho de edição podara cenas em que Cassol aparece tentando comprar (por bom preço) o apoio dos deputados. Como o Cabôco previra, só havia bandidos nessa história.

Tomara que o Poder Judiciário, que terá de julgar as bandalheiras ocorridas no Executivo e Legislativo, não tenha sido contaminado pela epidemia de corrupção. Se isso tiver ocorrido, o jeito será oferecer Roraima a algum vizinho. Com um buquê de flores e o indispensável pedido de desculpas.

Os segredos de Marco Maciel

Ex-deputado federal, ex-governador de Pernambuco, ex-senador e vice-presidente de Fernando Henrique Cardoso por oito anos, o experiente Marco Maciel tem uma boa chance de ampliar a folha de serviços prestados à nação. Em meados da década de 70, ele fez parte do grupo incumbido de mudar a legislação eleitoral para melhorar a vida do governo.

Era o presidente da Câmara quando se juntou ao chefe Ernesto Geisel, ao general Golbery e ao senador Petrônio Portella para amarrar o ''pacote de abril''. O embrulho continha a figura do ''senador biônico'', escolhido pelos donos do poder (nasceu aí o terceiro senador), e multiplicava espetacularmente as bancadas do Norte e do Nordeste. Único sobrevivente da turma, Maciel poderia detalhar o episódio no Congresso, às voltas com a reforma política. Ninguém tem tanta autoridade para sugerir a revogação das mágicas daquele abril.

O deputado João Paulo Cunha, presidente da Câmara em 2003 e 2004, anda mais quieto que carmelita descalça. A súbita mudez deixou o Cabôco de orelha em pé. João Paulo sempre se gabou de manter-se muito bem informado sobre o que ocorria mesmo nos labirintos do Parlamento. Por isso, o Cabôco acha improvável que se dê ao desfrute de jurar que nunca ouviu falar em ''mensalão''. E pergunta: será que o ex-presidente se prepara em silêncio para contar tudo o que sabe?

Longe, só e sem socorro

O Itamaraty passou meses concentrado no esforço para ampliar o Conselho de Segurança da ONU e infiltrar o Brasil no cobiçado organismo. A mobilização político-diplomática acaba de ser pulverizada por um míssil americano disfarçado de proposta séria. Os EUA admitem a abertura de mais duas vagas, reservadas ao Japão e à Índia. Com o veto da China, nada mudará. Já que a trabalheira diminuiu, não custa designar um embaixador para acompanhar o drama do engenheiro José João Vasconcellos, seqüestrado há meses no Iraque. Nada se sabe do brasileiro que o Itamaraty esqueceu.

Surto esquizofrênico

Foto ABr

O gancho de direita de Roberto Jefferson atingiu o fígado de José Dirceu e preparou o nocaute. O serviço foi completado pelo cruzado de esquerda de Lula da Silva. Enquanto convalescia dos efeitos da queda, o nocauteado lembrou um pai-de-santo em noite de gala. Nos dias seguintes, incorporou sucessivamente todos os personagens que já interpretou.

No discurso de despedida, falou o Capitão Dirceu. ''Vou continuar governando o Brasil do Congresso'', avisou. Numa celebração petista em São Paulo, discursou o líder estudantil de 1968. ''Vou percorrer o país para mobilizar militantes do PT, dos sindicatos e dos movimentos sociais'', informou a cabeleira imaginária. ''Temos de defender o governo de esquerda do presidente Lula do golpe branco tramado pela elite e por conservadores do PSDB e do PFL''.

Quem transmitiu a chefia da Casa Civil a Dilma Rousseff foi ''Daniel'', codinome usado por Dirceu durante o exílio em Cuba. ''Minha camarada em armas'', saudou-a o guerrilheiro aprendiz. De volta à Câmara, o Daniel dos anos 70 expropriou o microfone. ''Lutei contra a ditadura de armas na mão'', delirou.

Um sensato aparte do tucano paulista Alberto Goldman interrompeu o surto de esquizofrenia. Quem estava na tribuna era o deputado federal José Dirceu, alertou-o Goldman. Só então o nocauteado caiu na real. Hoje anda chamando de Vossa Excelência até os porteiros do Congresso.CORREÇÃO

Na seção Coisas da Política, publicada na página 2 do JB de terça-feira, o colunista errou ao afirmar que o mafioso Tommaso Buscetta continua preso. Ele morreu em 2000, ainda sob a guarda do Serviço de Proteção a Testemunhas do governo americano.

O primeiro tricampeão

Ao comentar a imagem de durona da ministra Dilma Rousseff, Gilberto Gil tornou-se o primeiro tricampeão da história do Yolhesman. Levou a terceira taça com a seguinte sopa de letras:

''A expectativa geral da política e da sociedade brasileira é que governantes têm de ser muito machos. Governantes têm de ser meio machos. Têm de ser fêmeos também, porque, senão, ficam desequilibrados, ficam só de um lado''.

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