Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, maio 27, 2005

DORA KRAMER: Uma guerra sem estrelas

O estado de S Paulo
Com CPI ou sem CPI, o governo já foi derrotado na batalha da comunicação As manobras engendradas pelo Palácio do Planalto para postergar o início dos trabalhos da CPI dos Correios são um assunto menor nessa altura dos acontecimentos. A batalha da comunicação está perdida, e isso é o que de fato interessa ao PT.

Por essa ótica, condutora de todas as ações governamentais, a idéia do senador Eduardo Suplicy de anunciar, às lágrimas, da tribuna do Senado que assinaria o requerimento de apoio à CPI, mesmo à custa da legenda para tentar renovar seu mandato em 2006, foi um tiro de canhão.

Adepta dos gestos teatrais, a cúpula petista/governista não pode reclamar. Contra amigos (inclusive Suplicy) e inimigos usa e abusa do manejo de emoções e por isso mesmo deu-se tão bem com o jeito Duda Mendonça de conquistar eleitores.

O PT deu-se mal em campanhas presidenciais anteriores e de dois anos e meio para cá, no governo, sempre que pretendeu acreditar mais em seus atributos políticos do que em suas habilidades de despertar e alimentar sentimentos positivos na opinião pública.

Se quiser virar esse jogo, vai precisar mudar de rumo: de joelhos dobrados e braços dados com Roberto Jefferson, dando a Anthony Garotinho a chance de tripudiar sobre suas aflições, o governo não chegará a lugar algum. No máximo, conseguirá dilapidar de vez - e sem possibilidade de retorno - seu patrimônio ético.

Foi exatamente isso que perceberam Suplicy, outros tantos senadores que passaram a semana diante das câmeras de TV Senado prestando contas ao eleitorado em defesa da investigação política e mais os deputados petistas que mantiveram suas assinaturas até o fim. Movimentaram-se para fora de uma canoa furada.

Se vão conseguir é outra história. Mas estão tentando bravamente escapar do naufrágio moral que o governo vem produzindo para si e não é de hoje. Todo mundo sabe, o processo de dilapidação não começou com o caso da corrupção nos Correios.

O episódio, ao contrário, deu ao Palácio do Planalto várias chances para se redimir. Se não queria a investigação no Congresso, muito bem, fizesse então movimentos competentes para esvaziar a CPI - por exemplo, tomando desde o início da oposição essa bandeira -, e não para tentar impedi-la na força bruta e a golpes de ironia, prepotência, desvarios históricos, fisiologismo explícito, ameaças vãs.

Estas, pobres coitadas, soam patéticas em regimes democráticos. Neles, as instituições e a sociedade reagem de imediato, deixando seus autores isolados na ilusão de que podem mais do que realmente podem.

Anuncia-se nas versões "de bastidor" disseminadas a partir do Planalto que na volta da viagem à Ásia o presidente Luiz Inácio da Silva vai promover um "choque moral" na sua administração, reformar o ministério, demitir quem lhe macula a imagem, "requalificar" a base de apoio parlamentar, dar um basta na pressão, tratar a ferro e fogo os infiéis, recomeçar, enfim.

A menos que aqui no Brasil os auxiliares do presidente da República estejam desobedecendo às suas orientações, como crer na veracidade dessa disposição à mudança se os atos desmentem o discurso?

De nenhum líder no Congresso ou ministro se ouviu palavra no sentido de reconhecer o equívoco de tentar barrar a CPI distribuindo benesses oficiais, ameaçando acabar com o "pão-de-ló" dos aliados, semeando a instabilidade institucional.

Ao contrário, o que se viu na madrugada de ontem foram governistas se queixando da "falta de tempo" para comprar a retirada de mais assinaturas. O que se viu e ouviu foram governistas anunciando o recurso a "todas as manobras regimentais" para postergar a instalação da CPI: contestação da existência de fato determinado e retirada do quórum das sessões, da mesma forma como o governo vem obstruindo votações na Câmara porque discorda da pauta.

O que se viu e ouviu foram declarações de extermínio aos infiéis, ameaças de punições severas a petistas velhos de guerra, gente forjada na luta dos tempos adversos, cuja propositura agora é a de manutenção da fidelidade aos preceitos do partido.

Nesse diapasão, o governo caminha célere para engrossar as fileiras de uma candidatura presidencial alternativa à reeleição de Lula, aos planos de Anthony Garotinho, aos projetos de retorno do PSDB, todos cenários previsíveis. Tal hipótese, dirá o leitor, é improvável, não se vislumbra no horizonte.

Mas a política não se move como se movem as nuvens, ao sabor do vento? Pois aí é que está: nada é seguro, tudo se movimenta em função dos acontecimentos (os ventos) e da maneira como são percebidos pela sociedade e a ela comunicados.

É nessa batalha da comunicação e suas circunstâncias que o governo perde terreno. Não dá mostras de conhecer o rumo da recuperação e prossegue cego e surdo à evidência de que em 2002 saiu-se dela vitorioso primeiro para só então ir buscar a glória nas urnas.

Não ganhou prometendo fazer mais do mesmo na economia. Ganhou construindo a esperança de um Brasil novo na cabeça do eleitorado e governa indiferente ao fato de que é sobre os sonhos dessa gente que caminha.

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