Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, abril 27, 2005

Zuenir Ventura:Minha pátria, minha língua




Os especialistas já mostraram que não basta tirar o traseiro da cadeira de um bar e mudar de banco para fazer baixar os juros. Nem é uma questão de falta de consciência, como disse o presidente Lula ao criticar o que acredita ser comodismo da classe média. As taxas se equivalem em todas as instituições bancárias, incluindo as oficiais. A Caixa Econômica e o Banco do Brasil, por exemplo, cobram juros de 7,22% e 7,66%, respectivamente. O raciocínio é tão primário quanto supor que, para diminuir os exorbitantes lucros bancários, bastaria o presidente tirar o..., levantar-se da cadeira e ir pressionar os banqueiros.


Mas, além de inviável, a solução proposta faz parte daquela antologia de vulgaridades vocabulares que vêm se repetindo sempre que o presidente usa linguagem informal e tenta o coloquial. Preocupa a insistência com que ele maltrata a língua. No documentário "Entreatos", de João Salles, o então candidato falou que nunca se acostumou com o macacão que usou durante anos, mas precisou de apenas alguns dias para se habituar com paletó e gravata. Não foi difícil aprender a se vestir bem, a usar todos os talheres de um banquete, a freqüentar solenidades até no estrangeiro e a não cometer gafes no Itamaraty.

No entanto, continua tendo dificuldades em usar a língua, não porque lhe faltem palavras, mas por que lhe sobram — por compulsão e incontinência verbal. Tremo toda vez que o vejo improvisando em público não por causa de eventuais "menas", "percas", "acho de que", mas em função das adulterações semânticas, das transgressões de sentido que ele comete com a maior segurança. Está sempre à beira de um ato falho, mas à vontade, chega a usar silêncios de espera pelo efeito das graças que faz. Compara o governo FH a uma tsunami e esta a um vendaval, e aguarda os aplausos.

Não é um problema de formação cultural imperfeita, porque há pessoas que superaram suas carências de educação e hoje têm um domínio razoável da expressão, ou seja, sabem dizer corretamente o que pensam. Só para ficar no exemplo de alguém de pouca escola e que é muito solicitado a fazer declarações e dar opiniões: Ronaldo Fenômeno. Não me lembro dele dizendo besteira.

Outro equívoco de Lula é achar que o universo-síntese da classe média brasileira é o bar onde se toma chope e fala mal dos juros (e do governo). Botequim é muito bom, mas não é a pátria. Como diz Caetano cantando Fernando Pessoa, "Minha pátria é minha língua". Tomara que o presidente aprenda isso.

O GLOBO

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