Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 24, 2005

ELIO GASPARI:A boca-livre deve ir para Quito


Em vez de embarcarem amanhã para Washington numa boca-livre da Microsoft, 30 deputados e senadores deveriam ir para Quito. Têm mais a aprender numa cidade onde a patuléia bateu na cara de parlamentares do que no seminário do doutor Bill Gates.
Na caravana, há deputados de renome, como o Professor Luizinho, do PT, e José Carlos Aleluia, do PFL. Sabem que a Microsoft está numa briga de foice com a equipe do comissário Zé Dirceu, que tenta livrar a administração e as políticas públicas do monopólio do sistema Windows. Poderiam pedir ao Planalto que organize um seminário em Brasília.
As ruas de Quito ensinam que os deputados e os senadores precisam defender o Congresso. Oscilando entre a vulgaridade e o folclore, ele vem sendo avacalhado. Onde seria necessário um choque de austeridade, vê-se prepotência e abuso. A saber:
- Os presidentes da Câmara e do Senado têm mansões oficiais em Brasília. Em 2004, a casa de João Paulo Cunha digeria três cozinheiros, duas auxiliares e uma nutricionista.
- Seu sucessor, Severino Cavalcanti, tentou aumentar os salários visíveis dos colegas de R$ 12,5 mil para R$ 21,5 mil. Não conseguiu. Num ato administrativo, sem muitas impressões digitais, elevou para R$ 44,2 mil a verba de gabinete dos deputados. Com isso, cada um deles custa perto de R$ 90 mil por mês à Viúva.
- Severino empregou oito parentes na Câmara. Todos sem concurso. Isso numa Casa onde contaram-se 96 cônjuges aninhados na folha da Boa Senhora, com salários de até R$ 5.200.
São verdadeiros os argumentos de que os parlamentares precisam de salários e equipes decentes. É certo que há familiares competentes. É mais certo ainda que podem fazer concurso.
Os doutores estão exagerando, e o pior disso tudo é que a avacalhação do Congresso resulta, sempre, no enfraquecimento das instituições democráticas nacionais. O PT, que em outros tempos zelava pelo comportamento da Casa, relativizou sua moralidade, passou a compreender o nepotismo, e tomou um gostinho por bocas-livres como a da Microsoft.

Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota. Ele entendeu que, aos 14 anos, Joseph Ratzinger inscreveu-se na Juventude Hitlerista. Dos 16 aos 18, guerreou no Exército alemão. O idiota pergunta se esses detalhes da biografia de um adolescente teriam a mesma importância se Bento 16 encarnasse uma vitória da igreja progressista.
Eremildo sempre se lembra de que é falta de educação mencionar a ligação de d. Helder Câmara (já adulto) com os integralistas brasileiros, a facção nativa do fascismo italiano.

Lula leva o mico
O governo comprou o mico da privatização das ferrovias. O repórter Pedro Soares revelou que, com recursos do Triângulo dos Privatas (BNDES, Funcef e Previ), os companheiros vão colocar R$ 1 bilhão na Brasil Ferrovias, empresa que deixou de pagar impostos, prestações do arrendamento e amortizações de empréstimos.
A Viúva vai reestatizar a composição acionária da privataria. O BNDES, que tomou um beiço de R$ 1,6 bilhão, ficará com metade do negócio. Já o banco americano Morgan, que tem 10% da ferrovia, não se ofereceu para aumentar a sua participação. Lá não entra bobo. Por isso a empresa toma conta de US$ 1,1 trilhão.
Tratando-se de um mico, nenhum líder empresarial ou parlamentar foi à tribuna para reclamar da expansão dos poderes do Estado.

Tancredo vive
Cena rápida, com Tancredo Neves e um amigo, em um grupo que se encaminhava para uma fila de automóveis:
O amigo: "Eu vou com o doutor Tancredo neste carro. O resto vai no outro".
Tancredo: "Meu caro, o resto, não. Os demais".

A PPP da KPMG
Foram memoráveis os serviços prestados pela empresa de consultoria KPMG ao desenho e à apresentação das PPPs, as Parcerias Público-Privadas do BNDES.
Isso no Brasil. Em Nova York, os doutores acabaram de fazer uma parceria de outro tipo com o Tesouro. Pagarão US$ 22,5 milhões por conta de manipulações nos balanços da Xerox. O dinheiro vai para um fundo destinado a indenizar investidores ludibriados.
A KPMG auditava as contas do falecido Banco Nacional e passou lotada por um rombo de R$ 3,3 bilhões. Na PPP com o governo americano, concordou em devolver US$ 9 milhões que cobrou pelos seus serviços.
Bem que o Banco Central podia pedir de volta o que a KPMG recebeu do Nacional.

CUT in USA
Até que enfim a CUT aderiu a uma greve. O secretário da Central, João Antonio Felício, deu "total apoio e solidariedade" ao movimento dos alunos-professores das universidades de Columbia e Yale, nos Estados Unidos. Foi a primeira greve casada da história das grandes universidades americanas. No lance, José Celso Castro Alves, um jovem batalhador de São Bernardo, veterano das brigas do ABC.
Os estudantes de pós- graduação muitas vezes carregam o piano dos cursos enquanto os titulares flanam. Eles querem formar um sindicato e conseguir melhores planos de saúde. Ganham cerca de US$ 18 mil por ano. Quem sabe a CUT um dia se anima com uma greve no Brasil.

Acabou-se
A reforma sindical de Lula deitou no caixão. Falta só enfiar a estaca. Caso raro em que os trabalhadores conseguem se livrar de uma tunga.

Ratzinger atrasou-se 26 anos

A eleição de Bento 16 foi uma vitória semelhante à de Margaret Thatcher, em 1979, na Inglaterra, e a de Ronald Reagan, em 1981, nos Estados Unidos. A chegada de um cardeal como Joseph Ratzinger ao pontificado foi retardada em 26 anos por conta de um curioso episódio, ocorrido na capela Sistina, em outubro de 1978.
Terminara a quarta votação no conclave que escolhia o sucessor de João Paulo 1º. Havia duas correntes. A tradicionalista era liderada pelo arcebispo de Gênova, Giuseppe Siri, um cardeal brilhante, defensor da igreja centralizada, crítico do Concílio Vaticano. O outro era Giovanni Benelli, arcebispo de Florença, expoente da igreja pós-conciliar, amigo de d. Helder Câmara, a quem conheceu quando serviu como diplomata no Rio de Janeiro.
Benelli e Siri começaram empatados (30 x 30, grosseiramente). Na quarta rodada, Siri conseguiu 70 votos. Faltavam só cinco. Falhara o golpe baixo de colocar debaixo da porta dos cardeais uma entrevista de Siri a um jornal italiano defendendo a centralização da igreja e fazendo pouco do papa morto.
Nessa hora, deu-se o curioso episódio. Um grupo de cardeais propôs um acordo a Siri. Ele nomearia Benelli secretário de Estado, e o caso estava encerrado. Ele recusou-se a discutir o assunto, dizendo que esse tipo de cambalacho era pecado. Pode ter feito isso por convicção, mas também por soberba, certo de que seria eleito. Para os crentes, pode ter sido coisa do Espírito Santo.
Duas votações depois, o azarão Karol Wojtyla tornou-se João Paulo 2º. Siri jogou fora o papado, saiu furioso do conclave e morreu em 1989, aos 89 anos.
FOLHA DE S PAULO

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