Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 30, 2005

Folha de S.Paulo - Luís Nassif: O FMI que se vai - 30/03/2005

O FMI (Fundo Monetário Internacional) que deixa o Brasil, agora, é totalmente diferente do FMI que ajudou a afundar toda a América do Sul e parte da Ásia, com uma tecnocracia vergonhosamente comprometida com a banca internacional.
Nas análises de investimento, rentabilidade está associada a risco. Quanto maior o risco, maior a rentabilidade, e vice-versa. Junte-se a terceira perna -a liquidez- e se terá o tripé em torno do qual se montam as carteiras de investimento.
Durante esses anos todos, o Brasil conseguiu ser o paraíso da especulação, oferecendo ao mesmo tempo rentabilidade, liquidez e baixo risco.
A rentabilidade foi assegurada em julho de 1994, com a apreciação do real. O Brasil de julho de 1994 não era país de alto risco, posto que com contas externas em ordem. O Brasil de dezembro de 1994 já tinha que pagar juros astronômicos porque a apreciação do câmbio criou um enorme déficit nas contas correntes.
Depois, assegurou-se a liquidez, à custa desse discurso ideológico primário, de que o livre fluxo de capitais especulativos era precondição para o capital de investimento.
Finalmente, a terceira perna -o risco- foi minimizada por meio de dois expedientes. O primeiro, prolongar ao máximo possível o período de agonia econômica para preservar os juros altos.
Suponha um título do Tesouro norte-americano que pague 3% ao ano; e títulos de países emergentes pagando 25% ao ano. Ao final do terceiro ano, o que o investidor conseguiu receber de juros do emergente cobriria 87% do saldo da aplicação no título norte-americano. Se levasse um deságio de 70% na testa, ainda assim teria ganhado 17% a mais do que aplicando no seu país.
Isso se deu por meio da criação sucessiva de falsas expectativas. O país afundava, exigia-se mais um pacote aqui, outra lição de casa ali. Tudo sem muita sofisticação.
Neste país de botocudos, em se plantando, tudo dá. Até a máxima de Mailson de que "primeiro precisa piorar para depois melhorar". Nem depois do desastre se aprendeu que, quando uma situação piora, a tendência é piorar, a não ser que se combatam as causas da piora.
Mas sempre chega a hora da verdade, quando os investidores percebem que não há mais como prosseguir com o jogo e começam a sair. A corrida provoca uma desvalorização da moeda local e uma perda para os investidores externos.
Nesse momento, o FMI entrava com um empréstimo-ponte, para garantir a saída tranqüila -e sem prejuízo- dos investidores internacionais. Foi assim com a ajuda ao Brasil em fins de 1998. Todo o dinheiro que entrou -e que se tornou dívida do país- serviu para impedir o prejuízo dos especuladores.
O jogo acabou quando George W. Bush indicou Paul O'Neill para secretário do Tesouro e este anunciou que, dali para a frente, nunca mais o FMI seria utilizado para minimizar risco da banca privada.
É justamente por isso que foram mínimas as reações do governo norte-americano e do FMI contra a reestruturação da dívida da Argentina.
O jogo já tinha mudado. Mas parte relevante dos analistas -os "politicamente corretos" da planilha- não tinha sido informada.

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