Folha de S.Paulo - CLÓVIS ROSSI: Um passo em negro - 29/03/2005

MADRI - Pilhado por esta Folha em flagrante por dar fazendas inexistentes como garantia para obter um empréstimo (de dinheiro público), o novo ministro da Previdência, Romero Jucá, sai-se com a desculpa clássica: a culpa é do sócio.
Admitamos, leitor, em um esforço sobre-humano, que seja verdade. Ainda assim, quem é que pode confiar, para combater as fraudes na Previdência, em alguém que toma uma fraude dessas pelas costas e ainda por cima bota a sua assinatura em cima do trambique?
Não dá, não é? Casos como o de Jucá tornam mais necessária e urgente a manifestação que está sendo convocada para hoje, pela internet, para que a população vista preto ou use algum pedaço de pano preto na janela ou na antena do carro. O objetivo, segundo um dos e-mails que circulam pela rede: "Precisamos acabar com a corrupção que faz com que o povo viva oprimido com uma péssima distribuição de renda".
A manifestação tem como estopim o salário e demais regalias dos parlamentares. Nada contra, mas o buraco é muito mais em cima, como o demonstra o caso Jucá.
É bom lembrar que Jucá também foi relativamente importante na administração anterior, a de Fernando Henrique Cardoso. Que a oposição a FHC -agora no poder- volte a içá-lo ao topo só prova que são todos farinha do mesmo saco.
A disposição dos manifestantes, ao menos no correio eletrônico, é de "dar um basta e reagir como gente grande dizendo um grande NÃO".
Em um país letárgico como o Brasil, é saudável que haja tal disposição. Mas será pouco se não for sacudido o comodismo retratado em outra frase do e-mail convocatório: "Sabemos que sair às ruas é complicado devido a compromissos diários". É o mesmo que dizer: temos coisas mais importantes a fazer do que tentar sanear a política brasileira.
Se não houver marcação homem a homem em cima de todos os políticos, do Executivo e do Legislativo, o negro de hoje não irá além de um pequeno passo, muito pequeno.