Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, março 31, 2005

Folha de S.Paulo -CLÓVIS ROSSI-31/03/2005


Dois Lula, ambos convenientes

MADRI - Vinte e sete meses depois de assumir a Presidência, como é Luiz Inácio Lula da Silva quando visto de longe? Pode ser assim: "Lula da Silva consolidou sua posição de grande potência regional e sua aspiração a consolidar-se como porta-voz continental e paladino de uma política viável de progresso social e desenvolvimento" (descrição de Peru Egurbide, do jornal espanhol "El País", a respeito da cúpula de anteontem em Ciudad Guayana).
Você aí que sempre teve ou contraiu raiva de Lula dirá que Egurbide é um desses jornalistas "petistas" que existem supostamente em todas as redações do mundo. Engano. É o especialista em diplomacia do melhor jornal espanhol, com muita quilometragem rodada (trabalhamos juntos em Israel, durante a primeira guerra do Golfo, há 14 anos).
Mas a esse retrato simpático deve-se acrescentar outro, que surge quase distraidamente no mesmíssimo jornal, em cândida confissão de Carlos Westendorp, embaixador da Espanha em Washington e outro veterano (já foi comissário europeu).
Westendorp comenta que o objetivo comum da Espanha e dos EUA em relação ao presidente venezuelano Hugo Chávez é "lulalizar Chávez". Não é preciso ser diplomata nem veterano nem mesmo muito esperto para perceber que o neologismo "lulalizar" significa que Lula foi devidamente domesticado e não mais assusta nem incomoda o establishment (tanto o interno como o externo).
Ao contrário do que parece, nem há contradição entre os dois Lula, o do jornalista e o do embaixador.
Convém aos líderes mundiais que o presidente de um país complexo e potencialmente problemático como o Brasil, ainda mais sendo ele proveniente em teoria da esquerda, faça todo um discurso contra a pobreza e a fome, mas, ao mesmo tempo, implemente políticas ortodoxas, convencionais, pró-mercado.
Como ninguém é contra combater a fome (ao menos da boca pra fora), a "lulalização" de Lula é conveniente, porque sua retórica nem sequer arranha o status quo.

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