Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 26, 2005

O DIA Online A palavra do presidente Dora Kramer

Se verdadeira, a manifestação do ex-presidente do BNDES, Carlos Lessa, desmentindo ter dito ao presidente Luiz Inácio da Silva que o banco havia falido por obra de corrupção na gestão anterior, indica que Lula não prevaricou acobertando um crime. Isso em princípio.

Se o caso tomar o rumo da investigação e da Justiça, até pode ser que se chegue lá e, aí, estarão os dois – PSDB e PT – bem embrulhados em maus lençóis: um porque fez, outro porque escondeu o malfeito.

Por ora o que se tem em questão é a palavra do presidente, o instrumento básico no relacionamento entre o Estado e a Sociedade. Por isso também o verbo presidencial deve ser sempre veraz, sob pena de os laços de confiabilidade entre um e outro sofrerem processo de esgarçamento do longo do tempo até se romperem.

Não tem sido a veracidade, entretanto, uma peculiaridade dos discursos presidenciais não raro eivados de números errados, dados imprecisos e incongruências com opiniões ou conceitos anteriormente emitidos pelo mesmo autor.

Em geral, o cotejo dos equívocos não é algo que atinja a compreensão da maioria. Fica restrito e tido como obra dos implicantes, dos obsessivos, dos negativistas, oposicionistas, enfim. “A massa nem percebe, isso não sai no Jornal Nacional”, é a frase que mais ou menos resume os revides a cobranças por alguma coerência e consistência naquilo que diz o presidente.

Pois muito bem, agora Lula produziu uma história de incontinência verbal com começo, meio, fim e de tradução simplificada: disse que tinha ouvido uma denúncia de corrupção mas, em nome do País, pediu ao denunciante que ficasse quieto.

Para não prejudicar as investigações e facilitar a punição dos responsáveis?

Não. Na versão do presidente, para mostrar ao Brasil que o PT não é rancoroso, denuncista nem pessimista: vê o lixo, olha para o outro lado e toca o barco.

Mas, chega um dia, não resiste e desengaveta o caso acreditando, com isso, prejudicar o inimigo.

Usa a arma da meia-verdade, não fala em nomes, mantém-se no campo da insinuação. Afinal, a disseminação da suspeição deu certo para o PT quando era oposição e, segundo alguns autores, deu tão certo que resultou na sua eleição para presidente.

E aí, nessa mudança de oposição para situação, é que reside a diferença a respeito da qual Luiz Inácio da Silva parece não se dar conta.

Presidente da República não pode fazer “discurso arrevezado” como ontem Lula classificou suas palavras do dia anterior a fim de amenizar seus efeitos.

Presidente da República tem compromisso com o que faz e com o que diz. É o chefe da nação, cargo cujas prerrogativas vão bem além daquelas meramente dadivosas, das mordomias, dos rapapés e das reverências.

É o mandatário número um, o proprietário da responsabilidade máxima, o modelo que, uma vez deformado, vira mau exemplo. Daí o prejuízo social de o presidente quase jactar-se da falta de estudo, de fazer uso de um português ruim.

Agora, com esse último resultado de sua opção preferencial pelo exercício do voluntarismo na Presidência da República, acabou entrando na seara do prejuízo político para si e seu partido.

Se erra no discurso e é no discurso dele que o Governo se sustenta, Lula começa a dilapidar seu patrimônio eleitoral mostrando que, se não tem equilíbrio interior para ignorar – ou pelo menos categoria para – as provocações do antecessor, não tem serenidade para muita coisa mais.

Advogado de defesa

Tirando o líder do PT, Delcídio Amaral, o único senador a subir à tribuna do Senado ontem de manhã para defender o Governo do espetáculo da pancadaria promovido pela oposição foi Luiz Otávio.

Aquele indicado pelo PMDB para assumir uma vaga no Tribunal de Contas da União que, em função de decisão do próprio TCU de investigá-lo por desvio de verbas públicas, teve de desistir do Tribunal, mas acabou presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.

Pela veemência da defesa, explica-se o silêncio do PT ante a indicação de um senador investigado por corrupção para a presidência da CAE.

Casos de tolerância

Aliás, justiça seja feita aos petistas, a complacência foi geral. Todos os partidos receberam com naturalidade não só a nomeação de Luiz Otávio, como também a entrega da presidência da Comissão de Constituição e Justiça, ao senador Antônio Carlos Magalhães, cujo decoro parlamentar foi duas vezes duramente questionado: quando da violação do painel eletrônico e da descoberta dos grampos telefônicos montados a partir da Secretaria de Segurança Pública da Bahia.

Os critérios já foram mais austeros no Senado. Em 2003, quando veio a público o episódio da espionagem telefônica, ACM estava indicado para a presidência da CCJ e, em função da pressão interna e externa, foi obrigado a abrir mão da indicação por eticamente inadequada.
Passados dois anos, o desconforto sumiu. A tolerância coletiva do Senado evidencia o compadrio e indica a razão pela qual a troca de comando na Casa, ao contrário da Câmara, transcorreu na mais santa paz. Dos cemitérios.

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