Entrevista:O Estado inteligente

domingo, fevereiro 20, 2005

O DIA - Dora Kramer Em nome da sofrida senhora

Antes que o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, funcione como a mão na roda de plantão e pague sozinho a conta da defesa do aumento dos salários dos deputados, convém não perder de vista que o colegiado de excelências abraça com ele a tese de que a proposta de reajuste de 67,35% é legítima, pois se trata de seguir o que diz a Constituição.

Noves fora as exceções proclamadas, o espetáculo da desfaçatez é uma produção coletiva. Os até então algo constrangidos em assumir a reivindicação, a partir da eleição de Severino, vão se sentindo seguros, escorados em porta-voz abalizado.

E ainda dão-se ao direito de alertar o presidente para tomar cuidado para não “extrapolar”, mantendo-se dentro dos limites da lei. Qual seja a emenda que fixa o teto do salário dos funcionários públicos no valor dos vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal – R$ 21.500.

Como se o artigo constitucional obrigasse a majoração dos proventos de deputados e senadores para o mesmo patamar. Teto, diz a palavra no sentido figurado, é o patamar máximo a ser observado, e não um imperativo. A lei nem se refere-se ao parlamentar, que por obra e graça de seu livre arbítrio alude ao princípio da isonomia, convenientemente ignorando as outras tantas verbas extras mensalmente recebidas.

Manipular o descompromisso da carreira política de Severino Cavalcanti com a opinião pública para usá-lo como tapume já revela inequívoca vocação para a covardia; agora, invocar para isso o respeito à Constituição, francamente, demonstra firme convicção na escolha da infâmia como instrumento de trabalho.

Mas vamos que seja uma tradução pouco generosa das intenções dos senhores e senhoras parlamentares. Vamos que estejam sinceramente imbuídos do senso de dever profissional e de observância ao juramento de seguir a Constituição.

Sendo a Carta o parâmetro caberia, senão antes, pelo menos concomitantemente ao afã de seguir seus ditames sobre salários, o cumprimento estrito a outros mandamentos. Por exemplo, em relação às regras de conduta necessárias ao exercício da delegação popular.

A título de ilustração: diz o artigo 55 que perderá o mandato o deputado ou senador que, entre outras infrações, deixar de comparecer “em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão” ou que tiver comportamento “incompatível com o decoro parlamentar”.

Onde o rigor constitucional para fazer valer tais normas? Faltas são sistematicamente abonadas pelo compadrio da Mesa Diretora e qualquer tentativa de imposição de austeridade nesse assunto é tratada como crime de lesa-corporação.

Caso clássico foi o da cassação de dois deputados constituintes como resultado de uma campanha caça-gazeteiros liderada pelo deputado petista Paulo Delgado. Houve a punição por pressão de fora, mas Delgado foi tacitamente condenado a um período de degredo. De lá para cá, nunca mais – a não ser na forma de ameaças não cumpridas – se ouviu ninguém ali dentro falar em fiscalizar a freqüência dos deputados a fim de seguir a Constituição.

No quesito decoro, se o escândalo não é estrondoso, prevalece a indiferença e/ou a postergação de punições. Aí incluídas acusações de crimes comuns até as brigas e trocas de ofensas em plenário.

Isso para não entrarmos na seara do fisiologismo escancarado e das práticas levadas à exacerbação, de deputados entrando e saindo de partidos a poder de transações obscuras.

Aqui há, senão provas, pelo menos indícios suficientes para levantar a suspeita, e justificar investigação, de infração ao decoro parlamentar. Um preceito constitucional. Anterior até à emenda do teto salarial e muito mais fácil de seguir que o princípio estabelecido no artigo 7º, sobre o salário mínimo.

Ali reza como direito fundamental do trabalhador, um salário “capaz de atender suas necessidades vitais básicas e de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”.

As condições objetivas da economia e da estrutura do País não permitem o cumprimento deste item da Constituição? Pois então também não permitem um reajuste de 67,35% para cada um dos 513 deputados e 81 senadores.

Recuo estratégico

O deputado Jader Barbalho informa que não existe nenhuma articulação integrada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, com vistas a elegê-lo líder do PMDB na Câmara.

Segundo ele, a única pessoa a incentivá-lo a respeito foi o deputado Geddel Vieira Lima, de oposição. O deputado confirma a consulta e a disposição de apoiá-lo se fosse o caso.

O que não se confirma é a negativa de Jader Barbalho sobre a existência da operação, tornada pública quarta-feira numa reunião de cerca de 30 deputados do PMDB, onde o então candidato a líder, Saraiva Felipe, comunicou oficialmente que acabara de receber do ministro das Comunicações, Eunício Oliveira, a proposta de desistir em favor de Barbalho.

Por alguma razão ininteligível, o deputado deu-se ao trabalho de desmentir fatos corriqueiros, de natureza politicamente legítima e a respeito dos quais há testemunhas.

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