Entrevista:O Estado inteligente

domingo, fevereiro 27, 2005

Folha de S.Paulo - LUÍS NASSIF Como negociar a dívida externa - 27/02/2005

No governo Collor, teve início um trabalho para levantar a moratória brasileira. Um de seus primeiros atos foi enviar a jovem ministra da Fazenda Zélia Cardoso de Mello para visitar o "board" do FMI. Os membros do "board" estavam ansiosos por receber uma mulher, de um governo que se pretendia modernizador. Zélia entrou, sentou na cadeira indicada, cruzou as pernas e perguntou, para espanto geral:
"Bem, senhores, o que podemos fazer por vocês?".
A atitude de Zélia gerou resistências adicionais enormes. Com sua rede de relações internacionais, o embaixador Walther Moreira Salles atuou nos bastidores para convencer o Commerzbank, alemão, a aderir à proposta. A resistência se devia, exclusivamente, à atitude arrogante de Zélia.
Por aqueles tempos, o embaixador estava de partida para os EUA. Em almoço na sede da Brazil Warrant, no Flamengo, seu filho João indagou qual seria sua estratégia para renegociar a moratória brasileira. Seu depoimento, conforme minhas anotações:
"Para negociar uma divida, o relacionamento social funciona. Menos que antes, mas funciona. Relações sociais são indispensáveis. As grandes negociações no mundo, entre Rússia e EUA, não teriam avançado se as primeiras conversas não tivessem surgido em razão de contatos pessoais".
"Nas negociações de uma dívida, os contatos pessoais talvez não sejam mais tão importantes. Mas, se nome do negociador inspira confiança, solidariedade e abertura de conversa, ajuda bastante."
"O fato de eu poder falar com Douglas Dillon (secretário do Tesouro do governo Kennedy) e mulher, convidá-los para almoçar e jantar, tornava tudo muito mais simples. Internacionalmente, o mundo é muito fechado. O grupo que decide é muito menor."
"Se fosse negociar a dívida agora, primeiro falaria com Jonhatan Bush, irmão do presidente Bush, homem que aprovou minha entrada no River Club Racket and Tennis. No mundo anglo-saxão, freqüentar o mesmo clube é muito importante."
"Depois, iria ter com o secretário do Comércio, Robert A. Mosbacher. Antes de começar a conversar tecnicamente, falaria com David Mulford. Mas não iria até o Tesouro. Iria ao Metropolitan Club de Washington jantar."
"Diplomacia é questão de contatos de ordem pessoal, não há outra maneira. Sem alarde, sem ser do tipo "estou defendendo isso ou aquilo", é conversando suavemente, socialmente."
Com esse estilo, Salles salvou o Brasil de quatro crises cambiais.

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