Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, janeiro 06, 2005

Versão piorada de Francis Diogo Mainardi

"Oito anos depois de morrer, Paulo Francis
continua sendo o mais influente pensador
brasileiro. Não existem mais intelectuais
como ele no país. Só versões pioradas"

Paulo Francis morreu oito anos atrás. A opinião geral é que sou a versão piorada dele. Como responder? Que não é verdade? Claro que é verdade. Digo apenas que a culpa não é minha. Eu me empenho no meu trabalho. Leio, estudo, escrevo, reescrevo. Não faço melhor porque não consigo. Não tenho capacidade. O único fato que alego em minha defesa é que não sou um principezinho. Não herdei o trono de Paulo Francis na imprensa brasileira. Fui posto em seu lugar por falta de alternativas. Porque não encontraram ninguém à altura. Se sou a versão piorada do Paulo Francis, é porque o Brasil, como um todo, piorou. Ficamos ainda mais conformistas, ainda mais rasteiros, ainda mais venais. Pegue a turma de Paulo Francis dos tempos do Pasquim, por exemplo. Apareceu algum humorista de verdade de lá para cá? Não. Apareceram somente chargistas a serviço do regime, como Chico Caruso. Se eles vivessem na Alemanha nazista, estariam pintando caricaturas de judeus com o nariz adunco nas vitrines do gueto. Então não me cobrem por ser uma pantomima grotesca do Paulo Francis. É bem mais instrutivo me ver como aquilo que realmente sou: um simples reflexo da irremediável deterioração intelectual e artística do país.

Oito anos depois de morrer, Paulo Francis continua sendo o mais influente pensador brasileiro. Não é novidade que o melhor da mentalidade nacional se encontra na imprensa. Isso acontece desde Euclides da Cunha. O problema é que Paulo Francis costuma ser mais recordado por seu temperamento do que por sua obra. Seus admiradores sentem saudade de seu talento para o deboche. Seus detratores reclamam de seu ar afetado. Como seria natural num país de analfabetos, discute-se acaloradamente a respeito de sua personalidade, mas ninguém parece disposto a reler seus livros. A republicação de sua obra nos últimos dois anos, pela editora Francis, passou em branco. Dedicaram-lhe apenas umas notinhas chochas nos jornais. É um erro. Uma estupidez. Um país pobre de idéias como o nosso não pode abrir mão de maneira tão leviana de um escritor como Paulo Francis.

Quer um conselho? Releia seu livro de memórias Trinta Anos Esta Noite, publicado originalmente em 1994, no aniversário do golpe militar de 31 de março. Onze anos depois, ficou ainda melhor. Diz mais a respeito do Brasil e dos brasileiros do que Casa-Grande e Senzala. Paulo Francis, para usar uma de suas expressões, não escreve "à brasileira". Não sentimentaliza, não enobrece, não edulcora seu passado. Ao mesmo tempo que se penitencia por suas velhas idéias esquerdistas, ele ridiculariza, uma a uma, toda aquela "gente nojentinha" que nos governou de 1950 em diante. Trinta Anos Esta Noite escancara o lado mais repulsivo do caráter nacional: adesista, fisiológico, acovardado, desonesto, reacionário, primitivo, roceiro. Paulo Francis refletia sobre as asnices brasileiras até mesmo quando lia Samuel Pepys. Ele morreu denunciando a roubalheira institucionalizada das empresas estatais. A Petrobras deveria pedir-lhe desculpas póstumas. Não existem mais intelectuais como Paulo Francis no país. Só versões pioradas.

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