Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, dezembro 20, 2004

Diogo Mainardi A minha retrospectiva

"Para mim, 2004 não ficará marcado por
Lula, e sim pelo motim na Casa de Custódia
de Benfica, no Rio de Janeiro. Bandidos do
Comando Vermelho esquartejaram bandidos
do Terceiro Comando e jogaram futebol com
suas cabeças. Foi o episódio que melhor
representou a barbárie nacional. Quando
me lembrar de 2004, a imagem será esta:
a de uma cabeça rolando, talvez batendo na trave"

É fácil enganar os brasileiros. Depois de apenas um ano de crescimento, estamos crentes de que o futuro será ainda melhor. Lula, que não é tonto, adotou o crescimento sustentado como bordão publicitário. No discurso de abertura da última reunião ministerial, em que fez um balanço dos dois primeiros anos de governo, ele repetiu dez vezes que o Brasil está a caminho do desenvolvimento. E garantiu que, ao contrário do que aconteceu no passado, "não se trata de bolha, de espasmo". A segunda etapa da campanha "O melhor do Brasil é o brasileiro", que será veiculada no ano que vem, irá bater nesse ponto. A propaganda oficial pretende mostrar que entramos definitivamente na "era do desenvolvimento sustentável". Ou, para usar a metáfora presidencial, que chegou "a hora da colheita".
Não sei dizer por quanto tempo a economia brasileira poderá continuar a crescer. Um ano? Dois anos? Depende do que ocorrer lá fora. Depende da cotação da banana no mercado internacional. O fato é que, cedo ou tarde, o crescimento do país irá despencar. Não dá para crescer, a longo prazo, quando se aumentam os gastos com o funcionalismo público, como fez Lula. Não dá para crescer com o pior ensino do mundo. Não dá para crescer com 50.000 assassinatos por ano. Quando Lula fala em crescimento sustentado, a única dúvida é saber se o crescimento se sustenta, ou não, até 2006. Se sim, Lula se reelege. Se não, ele volta para casa. A recessão é inevitável. Virá de qualquer maneira. Tendo de torcer por uma data, é melhor que ela venha antes das eleições, e não depois. Assim, pelo menos, a gente tem uma pequena chance de se livrar do PT.
Ao fazer o balanço dos dois primeiros anos de governo, Lula aproveitou para elogiar o ministro Eduardo Campos, que, como bom pernambucano, acaba de ter o quarto filho, numa demonstração de que é um "nordestino vigoroso". É exatamente isso que se esperaria de um presidente: um incentivo à explosão demográfica no Nordeste. A seguir, Lula negou que seu governo tenha se limitado a dar continuidade às políticas de Fernando Henrique Cardoso. A acusação de que seu governo é um mero apêndice do anterior o atazana profundamente. Ele tem razão. Essa história de continuísmo está sendo mal contada. A verdade é a seguinte: como os petistas não têm a menor noção de administração pública, são obrigados a imitar seus predecessores, quaisquer que eles sejam. Da mesma maneira que, em Brasília, Lula herdou as políticas de Fernando Henrique, Marta Suplicy, na prefeitura de São Paulo, herdou as de Maluf, com suas obras eleitoreiras e o rombo nas contas públicas. Lula não segue as imposições dos banqueiros internacionais. Ele simplesmente não sabe fazer de outro jeito.
Ainda que Lula consiga se reeleger em 2006, seu governo será rapidamente esquecido. Daqui a dez anos, ninguém mais se lembrará dele. Não sobrará uma única idéia, uma única iniciativa que recorde sua passagem pelo poder. Para mim, 2004 não ficará marcado por Lula, e sim pelo motim na Casa de Custódia de Benfica, no Rio de Janeiro. Bandidos do Comando Vermelho esquartejaram bandidos do Terceiro Comando e jogaram futebol com suas cabeças. Foi o episódio que melhor representou a barbárie nacional. Quando me lembrar de 2004, a imagem será esta: a de uma cabeça rolando, talvez batendo na trave.

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