Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 15, 2004

Diogo Mainardi Abstinência da razão

15/5/2004

"A vida pública nacional é uma mistura
de hipocrisia, conchavo e acobertamento.
Pior ainda é essa gente que nos governa"

Não sei se o desempenho de Lula é afetado pelo consumo de álcool. Pode ser que sim, pode ser que não. Não descarto inclusive que tenha um efeito benéfico sobre ele. Se Lula parar de beber, nada garante que não decrete moratória na mesma hora. O correspondente do New York Times não disse que o presidente bebe demais. Não disse que o álcool afeta seu desempenho. Não disse que essa é uma preocupação nacional. A única referência nesse sentido está contida no título da reportagem. Lula só leu a primeira linha, aquela com letras bem grandes. O que o correspondente do New York Times disse foi apenas que alguns políticos e jornalistas começam a se perguntar se o hábito de beber do presidente não estaria afetando sua capacidade de governar. Não há nada de errado em se perguntar uma coisa dessas. Errado seria não se perguntar. Nas rodas de políticos, nas redações de jornais, em reuniões de empresários e no cineminha do Alvorada, é comum ouvir essa preocupação. Pode ser injusta, pode ser ofensiva, mas está lá, correndo à boca pequena.

Lula disse que um presidente não tem de responder a sandices como a do correspondente do New York Times. Claro que tem. Não é sandice nenhuma. Pelo contrário. Considerando que a imprensa não se cansa de retratá-lo com um copo na mão, é perfeitamente legítimo o interesse em saber quantas doses de uísque ele toma, e se isso pode prejudicar seu desempenho. Na realidade, não há nenhuma pergunta que não possa ser feita a um político. E não há nenhuma pergunta que um político possa se recusar a responder. Lula não admite isso. Acostumou-se com uma imprensa que está sempre a seu serviço, domesticada, oferecendo cumplicidade. O espanto do presidente foi tão grande que a melhor reação que lhe ocorreu foi anular o visto do correspondente do New York Times e chutá-lo para longe do país. É a atitude mais ignóbil da história do Brasil democrático. Lula agiu como a rainha de copas de Alice no País das Maravilhas, que manda cortar a cabeça de quem a contraria.

O presidente pode deportar quem ele quiser, mas isso não altera o fato de seu consumo de bebidas alcoólicas ser um tema político relevante. Em primeiro lugar, o gosto por uma cachacinha foi usado como peça de propaganda eleitoral, reforçando sua imagem popular, contraposta à do pedante Fernando Henrique Cardoso. Ou seja, rendeu-lhe votos. Em segundo lugar, coloca-o na mão dos políticos. Quem espalha aos jornalistas que o presidente bebeu nesta ou naquela reunião reservada são os deputados e senadores dos partidos aliados. Qual o motivo? Não seria para enfraquecer o governo e, dessa forma, forçar a liberação de emendas e a nomeação de seus apadrinhados para órgãos públicos? O copo de uísque do presidente, nesse caso, teria um preço elevado para o contribuinte.

O New York Times feriu o orgulho pátrio. Políticos e jornalistas saíram em defesa do presidente, condenando a reportagem. Os mesmos políticos e jornalistas que, em privado, trocam comentários maliciosos sobre o assunto. A vida pública nacional é uma mistura de hipocrisia, conchavo e acobertamento. Pior ainda é essa gente obtusa e truculenta que nos governa. Guido Mantega disse que o New York Times obedece a interesses econômicos estrangeiros. Luiz Gushiken alertou contra ameaças à soberania nacional. José Genoíno sugeriu expulsar o correspondente do jornal, idéia prontamente acatada pelo presidente. Como sempre, descambamos para o nacionalismo autoritário. Como sempre, caímos na bananice. Como sempre, erramos do começo ao fim.

Meu conselho ao presidente 24/3/2004

"O álcool é o pior problema do Brasil. Lula deveria dar o exemplo e parar de beber em
eventos a que comparece. No primeiro ano
de governo fomos informados sobre tudo o
que ele bebeu em cada encontro político ou social"

Dou um conselho a Lula. Pare de beber em público. O álcool é o pior problema do Brasil. Pior do que a fome. Pior do que o desemprego. Pior do que a criminalidade. Pior do que a saúde pública. Porque ele agrava todos os outros problemas. Sessenta e cinco por cento dos acidentes fatais nas estradas estão relacionados ao consumo de álcool. Setenta por cento dos assassinatos também. Calcula-se que o alcoolismo seja responsável pela perda de 5% do PIB. Coisa demais para um país pobre como o Brasil. Coisa demais para um país em recessão. O combate ao alcoolismo deveria ser uma prioridade do governo.

Só que, para funcionar, Lula deveria dar o exemplo. Deveria parar de beber em eventos a que comparece. No primeiro ano de governo fomos informados sobre tudo o que o presidente bebeu em cada encontro político ou social. As notícias da imprensa a seu respeito sempre vieram acompanhadas por detalhes de suas preferências alcoólicas, independentemente do tema tratado. Sobre a reforma ministerial: "Antes de iniciar o jantar, tomando uma dose de uísque, Lula falou sobre quanto é difícil demitir um amigo". Sobre a lei orçamentária: "Enquanto comia um churrasco e bebia uísque, Lula afirmou que a receita não estava prevendo aquela arrecadação". Sobre suas viagens pelo interior do país: "Lula comeu einsbein com uísque Johnny Walker Black Label".

Lula costuma argumentar que ninguém pode resolver os problemas do Brasil com canetadas. Pode sim. Uma boa canetada pode eliminar o artigo da Constituição que permite aos infratores recusar-se a se submeter ao teste do bafômetro. Outra boa canetada pode proibir a venda de bebidas alcoólicas nas estradas. Outra boa canetada pode aumentar o imposto sobre o álcool. No supermercado perto de casa, uma garrafa de pinga custa 2,68 reais. Menos do que um litro de leite longa vida. Difícil imaginar que um país em que uma garrafa de pinga custa menos do que uma de leite possa prosperar.

Não se trata de uma questão moral ou de etiqueta. Nem de perda de autoridade. Lula deve parar de beber em público simplesmente porque o Estado não tem dinheiro para arcar com os custos do alcoolismo. No Congresso Nacional existem muitos projetos de lei que visam a limitar a propaganda das bebidas. O primeiro a ser atingido deveria ser o próprio presidente. Ele é o maior garoto-propaganda da indústria do álcool. Se parasse de aparecer com copos de uísque na mão, já seria um bom passo. Se, além disso, ele se abstivesse de tomar álcool e se engajasse numa campanha contra a bebida, o Brasil só teria benefícios. Lula até agora fracassou em todas as áreas. O saldo de seu governo é muito negativo. Parando de beber em público, ele finalmente seria recordado por algo de bom.

Nenhum comentário:

Arquivo do blog