Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 07, 2004

Diogo Mainardi O meu panelaço


"A convicção simplória de que todos os
políticos são enganadores precisa ser restaurada. Sem isso, a democracia
brasileira continuará incompleta, viciada,
sujeita a surtos de histeria sebastianista"

Continuo minha campanha pelo impeachment de Lula. Poucas adesões de peso até agora. Faço um panelaço solitário pelos aposentos da casa, apesar dos veementes protestos de meus familiares. Bato panela no quarto. Depois bato panela na sala. Depois bato panela no banheiro. O panelaço de uma panela só. Por mais surpreendente que possa parecer, ainda não consegui derrubar o governo. Cedo ou tarde, juro que consigo.

A burrice que nos acometeu desde a eleição de Lula terá de ser lembrada para sempre. Demos ao governo um crédito que nenhum governo pode ter. Por mais de um ano, ignoramos seu populismo ordinário, seus desvarios retóricos, seu empreguismo desavergonhado, seu fisiologismo ostentoso, seu descaramento ético, sua equipe indigente. Abdicamos estupidamente de nossa prerrogativa básica, que é vaiar e atirar ovos nos políticos. A convicção simplória de que todos os políticos são enganadores precisa ser restaurada urgentemente. Só ela pode estimular a criação de anticorpos na sociedade. Sem esses anticorpos, a democracia brasileira continuará incompleta, viciada, sujeita a surtos de histeria sebastianista igual à que acompanhou a vitória de Lula.

Nenhum político pode ter 96% de popularidade, como o presidente teve ao assumir o poder. Isso é devoção religiosa. Estatisticamente, havia mais gente acreditando em Lula do que em Deus. Nenhuma literatura dedicou tanta atenção ao estudo do caráter nacional quanto a nossa. E nenhuma literatura se equivocou tanto sobre o assunto. O único aspecto relevante de nossa personalidade é um exasperado servilismo. Nesse sentido, nada pode ser mais revelador do que a eleição de Lula, que desencadeou a maior onda de adesismo da história do Brasil. Por seu passado oposicionista, Lula conferiu uma aura de dignidade a todos aqueles que escolheram se sujeitar a ele, adulando-o com a esperança de obter favores. Alguns ganharam cargos. Outros ganharam aplausos. Anotei seus nomes num caderninho. Estão na minha lista de proscrição. Quem também está na minha lista de proscrição são as instituições encarregadas de vigiar o poder e que, melifluamente, se aliaram a ele: os sindicatos, os movimentos sociais, parte da imprensa, a universidade, os artistas, os intelectuais, a Igreja. Somos nós que financiamos essa turma. Se ela não serve para nos defender, devemos parar de sustentá-la. Lula mostrou que nossa democracia é pura fachada.

Muita gente teme os efeitos de uma crise política. Não há o que temer. Os políticos caem, mas o país fica. Ao contrário do que se pensa, o destino do Brasil não está atrelado a nenhum político. A desilusão provocada por Lula pode ser altamente benéfica, se compreendermos o perigo de abaixar a guarda contra os políticos. Os principais instrumentos de que dispomos para controlá-los são a descrença e a desconfiança. Quando dizem que o financiamento público aos partidos pode diminuir a roubalheira, por exemplo, estão mentindo. Para diminuir a roubalheira dos políticos, basta diminuir a quantidade de dinheiro que passa pelas mãos deles. E, agora, panelaço.

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