Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 06, 2003

Diogo Mainardi Deficientes discriminados


"Ter um filho deficiente não é nenhum drama, nenhum peso, nenhum problema. Basta que
os outros não perturbem.
Os pais de crianças
deficientes não querem favores nem comiseração.
O que eles querem é que as crianças tenham a
oportunidade de conviver com outras crianças"

Rio de Janeiro. Teimei em morar de frente para o mar. Difícil encontrar apartamento. Tudo caro demais. Comicamente, os melhores que visitei pertenciam a gente ligada à política. O primeiro era de Antonio Carlos Magalhães. O segundo era da filha de Tancredo Neves, mãe de Aécio. Perdi este último para uma herdeira de Getúlio Vargas, ex-mulher de Moreira Franco. Estou pensando em lançar minha candidatura a governador de Roraima.

Mais difícil que encontrar apartamento é encontrar escolinha para meu filho. Ele é deficiente físico. Escolinhas não querem deficientes por perto. Três delas já nos enxotaram. Eram escolas alternativas, piagetianas, daquelas que ensinam a plantar feijão e a melecar as paredes com tinta vermelha. Mil reais de mensalidade. Você pode achar que não é problema seu. Engana-se. É em escolinhas como essas que seus filhos estão estudando. Aprendem o preconceito desde cedo. Aprendem a afastar quem parece diferente deles.

Na Escola Nova, a diretora barrou meu filho na porta. Disse que não estava preparada para educar quem não sabe andar. Se ela não está preparada para educar uma criança deficiente de 3 anos, não está preparada para educar ninguém. Como sou endinheirado, ofereci algumas facilidades: material escolar adaptado, orientação por parte das terapeutas de meu filho e uma assistente de plantão na sala de aula para ajudar sempre que necessário. No caso de deficientes, porém, nem o indefectível privilégio de classe brasileiro funciona: ricos e pobres são discriminados do mesmo jeito.

Em outra escolinha, chamada Vilhena de Moraes, a coordenadora informou que aceitava portadores de todos os tipos de deficiência, menos os deficientes físicos. Criou uma discriminação dentro da discriminação, como num sistema de castas. O pária é meu filho. No Espaço Educação, a coordenadora recusou-o alegando falta de pessoal. Eu repeti que estava disposto a pagar o salário de uma assistente, em tempo integral. Não adiantou. Fomos despachados.

Ter um filho deficiente não é nenhum drama, nenhum peso, nenhum problema. Basta que os outros não perturbem. Os pais de crianças deficientes não querem favores nem comiseração. Pelo contrário: sentem um orgulho desmesurado de seus filhos. O que eles querem é que as crianças tenham a oportunidade de conviver com outras crianças. Nada de muito complicado.

Outro dia, Lula posou para fotografias com os atletas paraolímpicos. Foi mais uma manobra eleitoreira do presidente. Quando chegou a hora de agir, ele escolheu o lado oposto: vetou a transferência de recursos para entidades particulares que atendem deficientes e vetou a isenção de IPI e do imposto de importação sobre equipamentos como cadeiras de rodas. Nos anos 70, todo mundo tinha um contrabandista de uísque escocês. Eu, agora, tenho de apelar para um contrabandista de apetrechos ortopédicos. Acabo de receber um moderno andador de alumínio. É a muamba fisioterápica.

O Brasil discrimina portadores de deficiência assim como discrimina negros. O maior entrave para o crescimento do país é a nossa infinita ignorância. Quando eu for governador de Roraima, garanto que todos terão acesso à escola e todos terão apartamentos de frente para o mar, se é que Roraima tem mar.

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