Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 16, 2002

Diogo Mainardi Para cá de Bagdá

"Alguns países resistem a bloqueios
econômicos por anos e anos. Outros
capitulam rapidamente. O Brasil
pertence à segunda categoria. Os
brasileiros nunca foram um exemplo
de coragem e ousadia"

Florença viveu seus dias de Porto Alegre. O Palácio da Signoria assumiu o aspecto do Palácio Farroupilha. O Davi, de Michelangelo, atingiu a magnitude do Monumento Júlio de Castilhos. O Domo rivalizou com a Catedral Metropolitana. Foi o resultado do Fórum Social Europeu, que reuniu, em Florença, o mesmo pessoal que, durante o reinado petista, costumava se reunir em Porto Alegre, no Fórum Social Mundial. Em apenas cinco dias, beneméritos representantes de milhares de ONGs solucionaram, entre outras coisas, a fome no mundo, a epidemia de Aids, o trabalho escravo e o contrabando de mogno. Donos de todas as virtudes, eles terminaram o evento com uma marcha pela paz, em que 500.000 manifestantes se opuseram à guerra contra o Iraque.

Estou indeciso sobre essa guerra. Quando ouço Bush ou Blair, viro pacifista. Quando ouço os pacifistas, fico com vontade de bombardear pessoalmente Bagdá. Os pacifistas dizem que os americanos só querem petróleo mais barato. Duvido que uma guerra contra o Iraque possa surtir esse efeito, mas seria muito vantajoso para o Brasil. Imagino que Lula, secretamente, esteja torcendo para que isso aconteça. Quem perderia alguns trocados seriam os tiranos árabes que se apropriam de boa parte da renda petrolífera de seus países. Um dia depois da marcha pela paz em Florença, o filho do presidente líbio Muamar Kadafi apareceu num estádio de futebol italiano. Ele é o segundo maior acionista particular do time do Juventus. Agora está pensando em comprar o time do Lazio. Diminuir o preço do petróleo significaria apenas diminuir a fortuna desviada por essa gente.

E o que dizer das vítimas inocentes? Elas servem de justificativa tanto para um lado quanto para o outro. Os belicistas recordam as centenas de milhares de vítimas inocentes que Saddam Hussein torturou, decapitou, exterminou com armas químicas e mandou para o massacre em guerras insensatas. Os pacifistas respondem apontando as vítimas inocentes que os bombardeios americanos certamente provocariam. Além de se oporem à guerra, os pacifistas também querem suspender o bloqueio econômico contra o Iraque. Eles afirmam que essa medida só afeta as pobres criancinhas iraquianas, que morrem por falta de comida e remédios, como repetem sem parar as agências de notícias de Saddam Hussein. O argumento dos pacifistas é exatamente o mesmo que Margaret Thatcher usava para defender a África do Sul durante o regime de apartheid. Ela dizia que os maiores prejudicados por um eventual bloqueio econômico britânico seriam os próprios negros miseráveis.

Alguns países resistem a bloqueios econômicos por anos e anos. Outros capitulam rapidamente. O Brasil pertence à segunda categoria. Os Estados Unidos já retaliaram o Brasil em três diferentes oportunidades. A primeira, em 1962, contra a Lei de Remessa de Lucros de Jango. Dois anos mais tarde, ele foi deposto. Em 1977, os americanos mudaram de idéia e passaram a pressionar os militares brasileiros para restaurar a democracia. Foi o que aconteceu. Em 1978, os Estados Unidos desconfiaram de nosso programa nuclear. Prontamente, nós lhes fornecemos todas as garantias exigidas. Os brasileiros nunca foram um exemplo de coragem e ousadia. De fato, acho que vou desistir de bombardear Bagdá.

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